A impressionante imagem do homem que baleou nesta segunda-feira o embaixador russo em Ancara, dentro de uma galeria de arte na capital turca, além de chocar pela crueza do registro de um assassinato, chamou a atenção também pelo tom cinematográfico da situação. O atirador de terno e gravata escuros, o dedo em riste da mão esquerda erguida e a direita segurando a pistola enquanto discursa, o corpo do diplomata estatelado e inerte ao lado depois de ser alvejado repetidas vezes, os quadros nas paredes brancas – a cena parece de filme, plasticamente organizada demais para o que supomos ser um tiroteio no mundo real.
A imitação da arte é ainda mais específica: a execução evoca os violentos policiais do diretor norte-americano Quentin Tarantino, em particular o clássico Cães de aluguel (1992), sobre um punhado de ladrões engravatados que tentam descobrir qual deles traiu o bando no malfadado roubo de uma joalheria.
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À época de seu lançamento, o filme e seu realizador foram saudados pela crítica e pelo público como inspirados renovadores do cinema de ação, tornando-se uma referência para os títulos desse tipo que viriam depois. Já o cineasta nunca escondeu sua admiração pelos filmes de gênero e seus cacoetes específicos, reconhecendo que requenta e estiliza em seus próprios trabalhos alguns clichês como forma de citar e homenagear esse tipo de cinema.
Por enquanto, ainda se sabe pouco sobre o matador que parece ter saído da tela – e a estética tarantinesca de sua ação pode não passar de coincidência. No entanto, quase 25 anos depois da estreia de Cães de aluguel, a constatação de que um crime brutal verdadeiro lembra um filme de entretenimento de Hollywood é perturbadora o suficiente para colocar a pulga na orelha: até que ponto nossas ações e percepções são, consciente ou inconscientemente, determinadas por referências culturais e midiáticas?