Foi uma aventura o concerto de HERBIE HANCOCK e WAYNE SHORTER na sexta-feira no Rio de Janeiro: o público foi instigado pelos dois gigantes do jazz a acompanhá-los em um salto no escuro, repleto de mistérios e riscos. Se na quarta-feira, em São Paulo, nem todos embarcaram nessa viagem – alguns comentários publicados em jornais criticaram a apresentação e relataram a saída de espectadores da Sala São Paulo no meio da performance –, os fãs que lotaram o Viva Rio para o primeiro dia da versão carioca do Brasil Jazz Fest agradeceram com aplausos entusiasmados a trip de mais de 70 minutos proporcionada pelos veteranos solistas.
A bem da verdade, o set exigiu da audiência ouvidos atentos e curiosos: o piano de Hancock e o sax soprano de Shorter começaram dialogando em uma linguagem musical cheia de arestas, utilizando como vocabulário tanto a improvisação do free jazz quanto a desconstrução da música erudita de vanguarda de meados do século 20. Aos poucos, porém, o caminho foi se tornando claro: no lugar de intepretarem temas reconhecíveis como Cantaloupe Island e Footprints, por exemplo, o duo que tocou com o gênio Miles Davis nos anos 1960 preferiu tatear em busca da novidade a fim de criar uma experiência musical e sensorial única.
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Hancock uniu no palco suas facetas acústica e eletrônica ao alternar-se entre piano, teclado e bases pré-gravadas. As programações eletrônicas criavam ambiências de sons e timbres que remetiam para o espaço sideral, para o interior de uma floresta ou para a algaravia de vozes de uma cidade grande. Sobre essas camas sonoras, o fraseado fluente de Hancock e o sopro límpido de Shorter conversavam por meio de fragmentos musicais, que às vezes evocavam Milton Nascimento – que estava na plateia –, citando as melodias de músicas como Vera Cruz, Ponta de Areia e Encontros e Despedidas.
– Encontros, não despedidas – explicou ao microfone em português no bis o saxofonista, que gravou ao lado do cantor e compositor brasileiro em vários trabalhos.
Visivelmente satisfeitos e mesmo um pouco surpresos com a calorosa recepção dos cariocas, Herbie Hancock, 75 anos, e Wayne Shorter, 82, provaram que, no fim das contas, a inquietação criativa produz resultados mais estimulantes do que a acomodação com o já conhecido.
– Foi divertido? – perguntou o pianista.
Ô, se foi!