O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Há quase 28 anos atuando em Porto Alegre e depois de passar por cargos importantes na Confederação Israelita do Brasil (Conib) e na Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra), o rabino Guershon Kwasniewski irá assumir um novo desafio na cidade de Riverside, no Estado da Califórnia nos EUA.
O rabino conversou com a coluna.
Qual é esse novo desafio?
Estou assumindo a comunidade da Sinagoga do Temple Beth El da cidade de Riverside, na Califórnia, nos Estados Unidos. Estou chegando pela primeira vez na minha vida a um púlpito nos EUA para assumir uma sinagoga pelos próximos anos. Eu sou membro da Central Conference of American Rabbis (na tradução, Conferência Central de Rabinos Americanos), que é uma espécie de sindicato de rabinos reformistas americanos, de rabinos progressistas, liberais. Eles têm uma página que chamam de placement list, onde aparecem as comunidades liberais que procuram rabino. Depois disso, é necessário se aplicar, se apresentar e a comunidade, se gosta ou não gosta do teu currículo, te procura para entrevistas e, posteriormente, para uma visita. E foi isso que aconteceu. Mas não foi fácil, porque eu não sou americano. Eles, às vezes, têm um olhar muito para a própria nacionalidade. Mas essas pessoas da Califórnia têm uma visão mais aberta e pensam no currículo mais do que na nacionalidade. Com isso, tive várias entrevistas on-line e sabatinas sobre a tua visão sobre o judaísmo, sobre a experiência, o teu trabalho, as tuas conquistas, os teus desafios e as tuas prioridades.
Como foram as sabatinas?
Eu tenho uma grande empatia com os valores da sociedade americana. Então, tudo aquilo que tem a ver com democracia, liberdade religiosa, respeito próximo, às minorias, à diversidade sexual, respeito também por pessoas de outras religiões, aquilo que eu chamo e que faz parte de uma das minhas bandeiras do rabinato, que é o diálogo inter-religioso, tudo isso são valores que eu enxergo na sociedade americana, mas que também abraço e que fazem parte também da minha visão de vida. E por isso que também, poderíamos dizer, que houve uma empatia entre aquilo que eu penso com o país onde eu estou indo.
O senhor já visitou a comunidade antes de assumir?
Sim. É uma comunidade de aproximadamente 300 famílias e um potencial bem bonito de crescimento. A cidade de Riverside fica aproximadamente a 1 hora de Los Angeles.
O senhor é conhecido sobre tratar de valores mais progressistas. Como é que hoje está a visão do judaísmo quanto a essa abertura?
A visão continua muito firme, muito ativa e aberta. Eu também ocupava um cargo voluntário nacionalmente, sendo um dos representantes do diálogo inter-religioso da Confederação Israelita do Brasil (Conib). Toda essa experiência adquirida eu estou levando para os Estados Unidos. E nos últimos anos eu fiz alguns cursos internacionais na área inter-religiosa e o interessante é que já alguns dos meus colegas que moram nos EUA de outras religiões já me contataram para continuar esse diálogo. Isso é muito bacana que é algo que eu vou continuar e que eu já deixei muito claro para a minha nova comunidade.
O que leva de legado de Porto Alegre para o novo desafio?
Nunca devemos temer de sonhar em transformar nossa comunidade em algo grande. A comunidade é pequena, se acreditamos que é pequena, mas a comunidade é grande se sonhamos e trabalhamos para que seja grande. Depois, eu consegui implementar os valores de um judaísmo liberal para as famílias. Trabalhamos muito com o valor da inclusão. Conseguimos transformar em uma voz do judaísmo para os não-judeus também. É importante para que nos entendam, nos compreendam e que estudem conosco. Eu levo também a amizade de muitas pessoas ao longo de todo esse tempo. Eu não nasci aqui, mas sempre me apresentava assim: “brasileiro, gaúcho e gremista”, porque eu me naturalizei aqui.
E o contato fora da sinagoga?
Eu consegui levar a sinagoga para fora das suas paredes, para fora dos seus limites, para explicar o que é o judaísmo. Acho que fui também muito ousado com projetos inovadores que foram marcantes, como, por exemplo, ter organizado um jantar da Páscoa Judaica dentro da Catedral Metropolitana, algo inédito no Brasil. Fizemos algo muito bonito em declarar o Estado como uma área livre para o diálogo inter-religioso. Também foi algo inédito de começar a receber autoridades dentro da sinagoga. E me marca também ter construído uma família aqui. Eu casei em Porto Alegre e meus filhos nasceram aqui.
O que significa “levar a sinagoga para fora de suas paredes”?
Isso é importante. Porque muitas vezes os conflitos, as interpretações levam ao preconceito. Os preconceitos contra ao próximo surgem quando você opina, mas não sabe por que ele faz isto ou aquilo. O fato de poder ter levado um pouco o judaísmo para a sociedade foi justamente tentar vencer esses preconceitos. Eu fui um dos rabinos que levou o judaísmo para dentro das universidades. Também na música, organizando um concertos junto à Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) e à Orquestra da Universidade de Caxias do Sul. Também me preocupei, dentro do legado, de marcar a história e construir um memorial da imigração alemã judaica. Tive uma participação muito ativa representando o judaísmo em diferentes eventos que foram marcantes para Porto Alegre.
Nunca devemos temer de sonhar em transformar nossa comunidade em algo grande.
Qual mensagem que o senhor deixa para o povo de Porto Alegre e o que espera da comunidade da Califórnia?
Para o pessoal da Califórnia, meu agradecimento por confiar em mim e na minha trajetória. Acho que o sucesso é fruto do trabalho. Então, minha preocupação é fazer um bom trabalho, sério, e fazendo, desenvolvendo esse trabalho sério irão chegar os resultados. Eu não prometo nada, eu faço, faço acontecer. E para fazer acontecer, você tem de ter uma ideia, você tem de compartilhar essa ideia e tem de ter muitos braços que te ajudem a executar. E para o pessoal daqui, espero que aqueles que me sucedam possam se dedicar com o mesmo amor pela comunidade como eu me dediquei. E que o judaísmo aqui possa continuar crescendo e que continue florescendo. Estamos aqui pela terceira geração dos imigrantes judeus, então agora está se criando um judaísmo com raízes próprias. Que esse judaísmo com raízes próprias possa encontrar seu lugar e seu desenvolvimento. Não é apenas trabalhar por uma sinagoga, é trabalhar por uma sociedade.
Leia aqui outras colunas.