Especialista em Relações Internacionais e diplomata desde 2010, Diogo Ramos Coelho lança o livro "Mundo Fraturado" (Matrix Editora) com uma análise profunda dos desafios que afligem o mundo. Atualmente, é chefe da assessoria de Relações Internacionais do Ministério do Planejamento e Orçamento.
Ele conversou com a coluna.
No início do livro, você fala sobre o aumento dos conflitos, ascensão de líderes autocratas, desinformação, polarização. Há um mal-estar civilizatório?
Sim, esse mal-estar é fruto de uma dinâmica entre o que chamo de forças de coesão, que estruturaram a ordem liberal na qual a gente vive, e o que chamo de forças de dissonância. Há essa briga de forças entre o lado que estruturou essa ordem liberal e um outro que forma essas fraturas. Essa briga de forças tem causado essa apreensão e um pouco desse mal-estar.
É possível comparar com o período pré-Segunda Guerra?
Sim, é possível a gente comparar com os anos 1920, que também foi um momento de crise, de apreensões, de angústias, que, infelizmente, resultaram em uma catástrofe, em uma guerra mundial. Mas ainda tenho esperança de que a gente consiga contornar essas fraturas atuais.
Há dois grandes conflitos em curso: entre Rússia e Ucrânia e no Oriente Médio, além da possível retomada de Taiwan pela China. Onde você acha ser mais provável o início de uma Terceira guerra mundial?
Acho que a gente ainda não está nesse ponto de ruptura. Podemos olhar para a ordem atual como fraturada, há indícios de que aquela coesão a qual estávamos acostumados na década de 90, no começo dos anos 2000, não existe mais. O mundo hoje é muito mais multipolar, com múltiplos espaços e pontos de poder. Toda ordem multipolar é um pouco mais instável do que uma ordem na qual só há um grande ator poderoso. A multipolaridade pode ser muito bem-vinda quando você tem mais uma heterogeneidade na divisão do poder, mas à medida que os pontos de poder se multiplicam, isso também pode causar instabilidades. Os conflitos são frutos dessas fraturas, mas ainda estão regionalizados. Eles ainda não adquiriram um caráter sistêmico.
O que falta para isso?
Não faço previsões, na minha visão, a ordem internacional que vivemos ainda possui elementos que ajudam a prevenir esse tipo de espalhamento, esse tipo de contágio. Mas ainda é uma questão que a gente precisa observar.
Quando se fala de um mundo multipolar, uma das discussões que se tem é a transição de uma ordem hegemônica, americana, pra uma ordem comandada pela China. Chegaremos a esse ponto?
Eu acredito que haverá uma divisão dos espaços de gerenciamento, uma expressão nova dos espaços de hegemonia. É natural que, com a ascensão de um país com a população tão pujante, com a economia pujante, com uma capacidade também de projeção internacional de poder, como a China, os espaços de influência sejam divididos. É natural que o centro gravitacional em torno da China atraia atores e que se dividam espaços com outras potências já consolidadas. Não vejo, no entanto, como uma dinâmica que vai causar uma divisão, uma ordem hegemônica liderada por Pequim.
Vários países emergentes ou economias em ascensão questionam a ordem liberal e o próprio equilíbrio de poder, que foi erigido após a Segunda Guerra Mundial, mas já não representa o mundo atual.
Vários países questionam, por exemplo, a configuração do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Já não é um equilíbrio de poder hoje. Alguns países, como a Alemanha, Japão, Índia, Brasil, têm um papel e influência marcantes nas relações internacionais hoje. Então, um dos argumentos que eu trago mais ao final do livro é que toda ordem nunca é mantida sem a colaboração de outros Estados. A manutenção de uma ordem não depende de uma potência hegemônica. Depende de uma colaboração entre atores, até para que ela seja considerada legítima. E vários Estados que colaboram na sustentação dessa ordem podem também exigir reformas. Um estado reformista não significa que esse estado necessariamente será revisionista. Ele pode querer reformar a ordem para ter instituições ou partes da ordem para ter uma relevância ou papel maior. Outros estados, sim, podem querer ser revisionistas. Podem querer entender que essa ordem já não serve aos seus interesses e que seria necessário construir uma nova.
O tema meio ambiente cresceu muito na pauta e na agenda global nos últimos anos. Mas o que a gente observa nesses fóruns são boas intenções, muitas conversas, mas pouca efetividade. Por quê?
É necessário trabalhar dois aspectos: do papel das instituições internacionais ou, mais amplamente, dos regimes internacionais. Fazer com que 190 governos concordem com algo é uma tarefa muito difícil. Posso falar isso por experiência própria. Não é nada simples colocar representantes de 190 nações com instruções diferentes, com interesses diferentes, com prioridades diferentes, com políticas, com líderes diferentes para sentar à mesa e negociar um texto. Essa dificuldade é inerente ao sistema internacional. Mas é importante observar que, embora a gente não consiga avançar na velocidade e na abrangência necessárias para combater um problema urgente, é possível identificar consensos ao longo do processo. O mundo mais dividido torna muito mais difícil que consensos sejam obtidos. Mas as COPs (Conferências do Clima) demonstram que esses consensos ainda são possíveis.
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