O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Em 2022, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A boa notícia é que a atualização mais recente do relatório, em 2023, apontou que a insegurança alimentar caiu 85% no Brasil.
A coluna conversou com Jorge Meza, representante no Brasil da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre o que o país tem de fazer para sair do Mapa da Fome.
Leia a entrevista:
Em 2022, o Brasil voltou ao Mapa da Fome. O que levou a esse cenário?
Desde 2020, os números de subalimentados no mundo subiram vertiginosamente, voltando a atingir mais de 9% da população mundial. Choques simultâneos como a pandemia de covid-19, com as consequentes rupturas nas cadeias globais de valor, e conflitos como a guerra na Ucrânia, levaram a uma alta inflação de alimentos e a um aumento da fome no mundo. Esse aumento foi contido nos países que reagiram com um conjunto de políticas públicas para proteger a população mais vulnerável à fome e à pobreza, e a recuperação também é mais rápida nesses casos. No Brasil, país que havia saído do Mapa da Fome em 2014, os reflexos dessas crises foram observados em 2021, quando a prevalência da subalimentação voltou a ficar acima dos 2,5% no triênio 2019-2021, atingindo 3,4%. É importante lembrar que a fome no país não se dá por falta de produção de alimentos. Trata-se de uma contradição: o país é um grande produtor de alimentos, inclusive um importante exportador, mas nem sempre esses produtos chegam ao prato da população brasileira de forma acessível. Nas últimas décadas, as políticas públicas nacionais se estruturaram para garantir esse acesso. Contudo, frente aos choques externos, elas não deram conta de garantir a alimentação dos mais vulneráveis.
O mais relatório apresentou que a insegurança alimentar caiu 85% no Brasil em 2023. Qual a relação direta entre a insegurança alimentar e o índice para o Brasil sair do Mapa da Fome?
Um dos dados de fome da FAO refere-se ao de prevalência da subalimentação (prevalence of undernourishment - PoU) na população, que é o que define o chamado “Mapa da Fome”. O dado diz respeito à condição em que o consumo habitual de alimentos de um indivíduo é insuficiente para fornecer a quantidade de energia alimentar necessária para manter uma vida normal, ativa e saudável. Além desse dado, a FAO também reporta duas categorias de insegurança alimentar: grave e moderada. Ambas são medidas pela Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (FIES, em inglês). As estimativas de insegurança alimentar são complementares à prevalência de subalimentação (PoU) como medidas da extensão da fome. São duas abordagens diferentes para estimar quantas pessoas enfrentam restrições severas de acesso aos alimentos, baseadas em metodologias e fontes de dados diferentes. De qualquer maneira, vemos que esses indicadores tendem a progredir simultaneamente. No Brasil, os dados de 2021-2023 indicam que houve recuo no percentual de brasileiros subalimentados, que ficou em 3,9%. Caso o país siga essa tendência positiva nos próximos anos, pode voltar a ficar abaixo dos 2,5%. A insegurança alimentar grave também apresentou uma diminuição significativa. De 8,5% da população (18,3 milhões de pessoas) em 2020-2022, caiu para 6,6% (14,3 milhões de pessoas) em 2021-2023.
O que avaliam que mudou esse cenário? O que fez cair em 85% esse índice?
Os resultados do Brasil estão associados a rearticulação de uma série de políticas públicas que se consolidaram nos últimos 20 anos. Hoje, o Programa Bolsa Família, que vincula transferências de renda à saúde e à educação, por exemplo, atinge cerca de 21 milhões de famílias. O Programa Nacional de Alimentação Escolar atende mais de 40 milhões de alunos. A integração desses programas, somados aos bancos de alimentos e de leite, aos restaurantes populares e às cozinhas solidárias, são exemplos de como políticas públicas coordenadas podem fazer a diferença no combate à fome e à pobreza. Apenas por meio de redes interconectadas de políticas públicas é possível resistir aos choques externos. O Brasil está trabalhando em duas vias para solucionar o problema e fazer com que os números de fome e insegurança alimentar caiam: ações imediatas para ajudar às pessoas a se alimentarem, e ações estruturais, estabelecendo oportunidades de gerar renda com base em atividades econômicas a seu alcance, e de ampliar sua empregabilidade em trabalhos dignos.
O que falta e o que o Brasil tem de fazer para sair do Mapa da Fome?
Os resultados das medidas implementadas até aqui, mostram que o país está no caminho certo e que pode ser referência para o desenvolvimento de políticas públicas em outras regiões. Porém, Brasil ainda tem desafios pela frente. Por exemplo, além de alcançar fome zero, é necessário desenvolver uma rede de políticas públicas para melhorar a resiliência da população e de suas atividades produtivas frente a choques externos, de tipo ambiental e climático. Isso dará estabilidade às conquistas alcançadas em matéria de segurança alimentar. Também é importante melhorar a nutrição da população, que apresenta níveis elevados de sobrepeso e obesidade. Adicionalmente, é necessário que os sistemas agroalimentares sejam mais ambientalmente sustentáveis. Esses são alguns dos desafios. Mais uma vez, a fome não pode ser combatida apenas com o aumento da produção de alimentos. É necessário garantir que esses alimentos sejam acessíveis e nutricionalmente adequados. A produção deve ser sustentável ao longo do tempo, o que requer medidas de adaptação às mudanças climáticas e a garantia de que as populações mais vulneráveis tenham acesso a recursos para adquirir ou produzir alimentos.
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