Nunca havia estado no meio dos destroços de um acidente aéreo. E espero nunca mais estar. Foi em 2016, nos Andes colombianos, na encosta de um cerro, próximo a Medellín.
Você deve lembrar: o voo 2933, da LaMia, que levava a equipe da Chapecoense para disputar a partida de ida da final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional. Como enviado da RBS, cheguei no meio da tarde. O acidente ocorrera na madrugada. Não havia mais corpos no local. Apenas destroços. Enquanto caminhava por entre o amontoado de ferros retorcidos, meu olhar identificava uma turbina aqui, uma poltrona lá, as malas de jogadores, mochilas da comissão técnica, bolsas de isotônicos, pranchetas de madeira e... uma Bíblia. Setenta e uma pessoas morreram no desastre. Incrivelmente, seis sobreviveram.
Muito triste.
Acidentes aéreos mexem com a gente porque levam, de roldão, em um só ato, muitas vidas. E também porque o avião é considerado o mais seguro meio de transporte no mundo. Ninguém vai para Paris pensando em morrer. A gente viaja pra realizar sonhos.
Naquele episódio da Chape, desde o primeiro momento, ficou confirmada a tese de que a perda de controle, na aproximação para o aeroporto de Medellín, se deu por falta de combustível: falha humana em razão do descumprimento de protocolos de abastecimento.
No caso do acidente com o avião da VoePass, em Vinhedo (SP), as causas não são tão simples.
É natural do ser humano buscar respostas imediatas. Mas, como diz o clichê da aviação, em geral, um acidente aéreo acontece por uma infinidade de razões, humanas ou não. O importante é compreender que a razão de um desastre é multifatorial e há múltiplas possibilidades. Principalmente, porque o complexo sistema da aviação é protegido por redundâncias: se um falha, há outro, e um terceiro, e ainda um quarto. A última linha de defesa (ou a primeira, em alguns casos) é o ser humano.
O certo é que o acúmulo de gelo nas asas - hipótese mais comentada desde sexta-feira (9) -, por si só não causa acidentes. Fosse isso, não haveria voos na Sibéria, no Alasca ou na Antártica.
O acidente com o avião da VoePass também nos comove porque há muitos anos não ocorriam tragédias aéreas de grandes proporções no Brasil. Passado o apagão deflagrado pelo colapso desde o acidente do voo Gol em 2006, houve aprimoramentos: os pilotos brasileiros são reconhecidos internacionalmente pela competência, as companhias aéreas obedecem às regras, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), entre outras, não deixam, em nada, a desejar, em termos de segurança, aos órgãos europeus ou americanos.
Ainda assim, há perguntas: se o gelo foi o fator ou iniciador da tragédia, os sistemas estavam funcionando? Se estavam, foram dimensionados para tal condição severa? O procedimento operacional foi seguido e, mesmo assim, ocorreu o acidente? Essa é a raiz que precisa ser encontrada.
Não há muito o que se possa fazer ou dizer antes de se ter o relatório da investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) em mãos. É preciso conter a ansiedade e esperar por uma apuração séria. Vivemos o momento histórico mais seguro da aviação no mundo. Sei que isso não conforta amigos e familiares das vítimas, não dá respostas e, sobretudo, porque um acidente, por si só, já derruba qualquer tese sobre segurança. Um só. Sei que também não consola, mas precisamos seguir acreditando que cada acidente é esmiuçado à exaustão. Para que os mesmos erros - de novo, humanos ou mecânicos - não se repitam.