O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Em entrevista à coluna, Cláudio Julaia, coordenador de emergências do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), explica os principais impactos emocionais e físicos que o desastre deixou entre as crianças gaúchas.
Desde o início da enchente de maio, vários órgãos internacionais trabalharam no auxílio às vítimas da tragédia. O Unicef foi um deles. A seguir, os principais trechos da conversa.
As crianças entendem o que ocorreu no Estado?
No início, elas parecem confusas, principalmente as mais novas, sobretudo com o acontecimento, com o cenário que testemunharam: sair da sua casa de forma emergencil, ser evacuada, ir para um centro. Mas, depois daquela situação mais crítica, elas percebem um pouco melhor o que ocorreu, mas sempre é um desafio explicar a elas o por quê. A causa principal não é facilmente visível. Estamos falando de mudanças climáticas e esse é um tema um pouco mais amplo e abstrato. Uma criança, naturalmente, não tem, dependendo da sua idade, uma capacidade boa para entender o que são mudanças climáticas. É um trabalho que tem de ser feito no dia a dia, explicando e tentando entender também, na perspectiva da criança, qual é a sua percepção daquilo que ocorreu.
Como falar com as crianças sobre mudanças climáticas?
Devemos começar primeiro em casa, mas os adultos também precisam de uma educação sobre o que são mudanças climáticas. Porque os desastres agora estão mais recorrentes, e a intensidade também está aumentada. Uma forma de abordar o assunto é nas escolas. Essa temática dos desastres deve ser integrada ao currículo escolar, para que as crianças aprendam, desde cedo, que existe esse desafio e quais são as medidas de mitigação a serem adotadas. Como as crianças são os líderes do amanhã, é importante que sejam expostas a essas discussões desde pequenas. Temos de usar mais meios visuais, como vídeos, fotografias de desastres passados, para ilustrar o que é isso. Por que aconteceu? Quais foram as causas? As campanhas ambientais devem envolver de forma direta as crianças para mostrar a importância do plantio de árvores, proteção do ambiente e a sua contribuição para a redução, por exemplo, da emissão dos gases de efeito de estufa. Seria uma combinação de métodos e formas para abordar essa temática.
Quais as principais características dos impactos nas crianças do RS?
Em uma situação como essa e pelo impacto que teve, as características acabam sendo similares a outros eventos: o susto, o trauma, o estresse, o medo, cada vez maior, que se avise que vai haver chuva... Aquele trauma acaba voltando. Portanto, esses são elementos que identificamos de forma recorrente e, naturalmente, as crianças acabam falando menos, elas sentem-se mais retraídas, e, em alguns casos, alguns sintomas depressivos estão presentes. A rotina delas foi quebrada, a alimentação também: o que comiam antes não é o que comem agora, porque tiveram de ser realocadas. Os vizinhos que tinham não são os que têm agora. A separação dos amigos e o acesso a cuidados de saúde também acaba sendo um pouco mais dificultado.
Quais as principais ações que o Unicef está realizando no RS?
O Unicef está basicamente em três municípios: Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo. Nesses três estamos realizando o estabelecimento dos "Espaços da Gurizada". Esses locais são espaços seguros, amigos da criança, em que promovemos atividades de recreação, educação não formal e rodas de conversas com adolescentes. Estabelecemos esses espaços inicialmente nos abrigos que existiam, mas, com o fechamento de alguns, estamos abrindo espaços nos bairros afetados, para onde a população já retornou. Estamos também disseminando informações importantes sobre acesso a serviços, benefícios sociais, prevenções e disseminando informação por meio daquilo que chamamos de "multiplicadores": 60 pessoas recrutadas para andar em todos os bairros afetados nesses três municípios para compartilhar informação. Também estamos capacitando agentes comunitários de saúde e de endemias, água, saneamento e nutrição. Além disso, estamos apoiando as associações de moradores e outras organizações comunitárias para limpeza das suas casas e infraestruturas afetadas pelas cheias, por meio do fornecimento de máquinas lavadoras de alta pressão ou lava-jatos. Temos outras iniciativas como apoio na emissão de documentos perdidos junto a outras agências da ONU. E temos kits de materiais de higiene, para bebês e para meninas e adolescentes.
Vocês irão continuar atuando no Estado?
Em princípio, vamos continuar com as ações que já colocamos em prática. Cada vez mais estamos com menos abrigos e temos mais pessoas voltando para as suas casas, então vamos tentar levar esses espaços de recriação ou espaços seguros para colocar em bairros que tenham um número representativo de crianças, para que se estabeleça uma rotina, promovendo o apoio psicossocial das crianças. Além de continuar com a distribuição de informação para que as famílias tenham acesso aos benefícios sociais e a distribuição de materiais de higiene, de limpeza, equipamentos que sejam necessários para fazer as limpezas e também o fortalecimento da capacidade institucional em termos de treinamento de agentes comunitários, mas também de profissionais da área de saúde, de assistência social.
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