Poucos discursos ambientalistas resistem a uma boa olhada no lixo. Você defende um mundo sustentável, com menos petróleo, mais energias renováveis e está preocupado com a emergência climática? Então, faça o teste, observe a lixeira de sua casa: os detritos orgânicos estão separados dos resíduos secos?
Sua empresa tem uma política ambiental, certo? Então, passe os olhos nas lixeiras do escritório, identificadas por legendas e cores: “lixo orgânico” (marrom), “papel” (azul), “plástico” (vermelho) e “metal” (amarelo). Está tudo certinho lá dentro? Ou encontrou cascas de banana no cesto onde deveria haver apenas material reciclável?
Estou forçando o argumento, obviamente. E ninguém é perfeito – também cometo meus pecados ambientais. Mas me preocupa o discurso alijado da prática. Por isso, fiquei intrigado pelos dados apresentados pela pesquisa do Datafolha revelada no fim de semana sobre a enchente no Rio Grande do Sul.
A maioria dos gaúchos acredita que o desastre poderia ter sido evitado. Mas, quando a pergunta é sobre quem seriam os responsáveis pela tragédia, sobrou para todo mundo. As prefeituras das cidades são citadas com maior frequência: 85% dos entrevistados dizem que as gestões municipais têm culpa na tragédia. É natural responsabilizarmos quem está mais próximo. Vivemos na “urbe”, é na cidade que a vida diária acontece. Mas chama a atenção o segundo dado: em seguida às prefeituras na “escala da culpa” está a própria população, com 84%.
Aqui está o ponto da reflexão. Por um lado, é interessante que assumamos a responsabilidade por essa tragédia que é ambiental, mas também social. Mas, por outro, há risco de despersonalizarmos a culpa. Mais ou menos como lidamos com a coisa pública – “se não é meu, não é de ninguém”. E assim não nos sentimos responsáveis por praças, prédios e monumentos.
Mais do que procurar culpados – e sair fiscalizando o lixo alheio –, o mais importante, no caso da crise gaúcha, é nos debruçarmos sobre qual, exatamente, é a nossa responsabilidade? O que deixamos de fazer? E, principalmente, no que podemos mudar?