Durante os sete dias em que passei na Holanda para a produzir a reportagem que você lê em GZH, antes de cada entrevista, obedecia a certo ritual: ao me identificar, dizia que vinha do Brasil, de um Estado composto por mar bravio e caudalosos rios, que, do ponto de vista geográfico, tornava esse naco de terra no sul do mundo, um local muito parecido com o país que eu estava visitando. Acrescentava que minha terra, recentemente, havia passado pela sua maior tragédia socioambiental - assim como também a nação europeia experienciara nos anos 1950 e 1990.
— Estou aqui para aprender com vocês e levar exemplos de resiliência para o meu povo - completava.
De imediato, recebia palavras de solidariedade - da mais alta autoridade da água na Holanda ao simples cidadão abordado em uma rua qualquer.
As obras de engenharia são o que há de mais visível na Holanda em termos de proteção contra cheias: por onde se anda, há sistemas de proteção. Muitas vezes, você está em uma autoestrada e nem sabe que dirige o veículo em uma pista depositada sobre uma barreira de proteção - aliás, como muitos de nós, só agora, descobrimos que parte da freeway e a Avenida Castelo Branco, em Porto Alegre, são, na verdade, a continuidade de um grande dique.
Na Holanda, essas estruturas podem estar "maquiadas" de um jardim elevado em uma cidadezinha como Oude-Tonge, ou "disfarçadas" de um lindo shopping de Roterdã, cujas paredes de tijolos à vista se transformam em uma muralha caso o rio avance.
Mas o verdadeiro nível de maturidade da sociedade holandesa em relação à prevenção contra tragédias é medido pelo invisível, por aquilo que só após algum tempo descortina-se diante de nós: primeiro, a Holanda dá lições ao mundo porque prevenção e segurança são palavras impregnadas na cultura do povo. O país aprendeu com tragédias e sabe que gestão hídrica é questão existencial - se não houver, boa parte da nação submerge do dia para a noite.
Segundo, governança: há um ministério dedicado à água, há uma autoridade, o Delta Commissioner, responsável pela segurança de uma das áreas mais vulneráveis, há funcionários regionais responsáveis pelo tema no nível local, eleitos pelos cidadãos.
Terceiro, o tema da água é despolitizado. Uma autoridade, em geral, um técnico, garante que diferentes entes - municipais, regionais e o governo central - sentem à mesa para conversar. Os investimentos em prevenção e proteção são garantidos por lei, ou seja, os recursos não ficam à mercê das agendas de ocasião de quem assume o poder.
O segredo da Holanda e que poderia ser aplicado no Rio Grande do Sul resume-se a três ações:
— Colocar o tema da água e da segurança no centro das preocupações;
— Despolitizar o debate, desarmar ânimos e buscar consensos;
— E dialogar.
Simples assim. Complexo assim.