Os movimentos do "Abril Vermelho", mês que o MST realiza a jornada de luta por reforma agrária em lembrança ao Massacre de Eldorado do Carajás, ocorreram enquanto o governo Lula buscava se aproximar de integrantes do agronegócio. Foram mais de duas dezenas de ocupações, entre elas algumas em SP, RJ e MS.
No Estado, o principal ponto de tensão no campo foi em Hulha Negra, na Campanha, onde produtores rurais fazem vigília próximo a acampamento de sem-terra e advertem sobre risco de confronto, como mostraram o repórter Fábio Schaffner e o repórter fotográfico Jefferson Botega.
A coluna ouviu Ceres Hadich, integrante da coordenação nacional do MST, e Paulo Ricardo Dias, coordenador da Comissão de Assuntos Fundiários e Segurança Rural da Farsul, para avaliar o mês de manifestações.
O que diz Ceres Hadich, integrante da coordenação nacional do MST
"O 'Abril' marcou a retomada das ocupações de terra"
Que avaliação vocês fazem do "Abril Vermelho"?
A gente ainda está no processo da jornada, é um estímulo à retomada de ações que perpassam o ano todo. O "Abril" é um marco para nós, porque tem uma simbologia importante em função de Massacre de Eldorado de Carajás e estimula um processo de lutas que alcança os demais meses do ano. Esse "Abril" teve caráter especial por ser o marco dos 40 anos do movimento. Também voltamos a apontar para aquilo que é central: as ocupações de terra. O "Abril" marcou a retomada das ocupações de terra, de abertura de acampamentos, mobilizações e marchas em nível nacional.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontou 2023 como ano de recordes de conflitos no campo. A que isso se deve?
É um indicativo muito preocupante. O campo sempre foi violento, sempre houve o uso da violência policial e paramilitar para fazer a contenção da mobilização popular e para negar direitos de acessos de povos originários, indígenas, quilombolas, à terra e aos demais bens naturais. Essa violência, infelizmente, é permanente na nossa história do Brasil, mas tem sido crescente. Ainda que estejamos retomando o processo de uma sociedade pautada pela democracia e pelo diálogo, seguimos vivendo a naturalização da violência no campo, inclusive com o avanço do paramilitarismo.
O MST tem reclamado da falta interlocução com o governo. Como está a relação com o presidente Lula?
Com o presidente, ainda com bastante dificuldade. A gente tem dificuldade em estabelecer esse processo de diálogo direto entre governo federal e os movimentos populares, ainda que haja um esforço em criar mecanismos para isso. Hoje, em todos os ministérios, há um conselho de participação social, mas esse também é um processo de reconstrução que nos foi tirado durante os últimos anos. Há ainda muito a reconstruir.
Por que o MST tem criticado o programa Terra da Gente, lançado pelo governo federal?
Entendemos que o programa representa um esforço grande por parte do Incra para reconstruir uma ferramenta que possa juntar todas as formas para regularização fundiária, para construção de novos assentamentos. Mas não é uma medida que se resolva no curto prazo e que resolva o passivo de acampamentos no Brasil. Só nós, do MST, temos mais de 105 mil famílias acampadas, e esse número tende a ser crescente.
Como avaliam a mobilização em Hulha Negra, onde há um acampamento monitorado 24 horas por produtores rurais?
Esse é um exemplo muito claro dessa ação de milícia no campo brasileiro hoje, motivada por parlamentares de extrema direita. No caso de Hulha Negra, isso tem sido motivado por parlamentares que seguem fomentando projetos de lei para tentar criminalizar o movimento e que, no território, estimula o avanço da milícia para tentar inibir a ação dos trabalhadores sem-terra. Hulha Negra é bastante emblemático, para nós, porque vem nesse contexto da retomada dos acampamentos em Estados onde a gente, há alguns anos, não se organizava. Esse acampamento está em uma área de resguardo, não é uma ocupação. A área vai ser entregue à Justiça para fins de reforma agrária.
O que diz Paulo Ricardo Dias, coordenador da Comissão de Assuntos Fundiários e Segurança Rural da Farsul
"Enquanto tiver acampamento, tem vigília"
Como vocês avaliam o "Abril Vermelho"?
Esse ponto de vigília de Hulha Negra passou dos 200 dias. Teve início a partir de um acampamento que se formou ali, ou seja, independente do "Abril Vermelho". O "Abril Vermelho" passou, no Rio Grande do Sul, e não tivemos aquilo que foi prometido pelas lideranças do MST, que era uma intensificação das invasões. Mas o perigo permanece. As invasões de propriedade não saem dos assentamentos. Saem justamente dos acampamentos. É nos acampamentos que eles se organizam, que são orientados, que são estimulados. Então, onde há acampamento, existe o perigo da invasão. É um período de muita tensão, de muito terror até, porque é uma ameaça constante.
Como tem os produtores estão monitorando o acampamento?
É (um sistema) de vigília, monitoramento. Agora não estou na vigília, mas eu, com frequência, estou lá. Fazemos um rodízio por sindicato (rural), porque são dias muito longos. Então, a gente diminui o efetivo, mas permanece sempre em vigília. Aquela vigília da Hulha Negra é um ponto físico permanente, mas todo o sistema de organização da comissão fundiária da Farsul tem uma rede baseada nos sindicatos, que existe alguns momentos em que a gente fica observando mais a movimentação, como um serviço da inteligência.
Como funciona?
Existe um alerta em todo o Estado, principalmente naqueles pontos mais sensíveis, já são conhecidos. Em Hulha Negra tem esse ponto físico ali, porque se montou seguramente o maior acampamento do Estado, falam de 500, 600 famílias, na realidade nós observando, nós não vemos isso, mas é uma ameaça. O objetivo é estarmos preparados, podermos avisar rapidamente os órgãos de segurança (em caso de ocupação). Temos a promessa do governador de que não haverá invasão e se houver, haverá o cumprimento das reintegrações de posse.
Como tem sido a relação com o governo federal nesse ponto da tensão no campo?
Eu te diria com duas palavra: não existe. Não existe interlocução, não existe conversa, não existe... O que contamos é com o posicionamento do governo de Estado, com a Brigada Militar, ela tem estado conosco todos esses dias, e, efetivamente, com a presença do produtor. Se não tivesse o produtor ali, se não tivesse essa vigília... Evidentemente que a Brigada Militar, até porque também teria de estar atuando em outras posições, a gente sabe que o efetivo é reduzido, é pouco pela demanda, mas estamos sendo atendidos.
Quais os próximos passos?
Provavelmente, vamos ter uma assembleia nesse fim de semana para darmos um encaminhamento, para que rumo vai tomar o ponto de vigília. Mas a princípio, enquanto tiver acampamento, tem vigília.