Uma decisão unânime da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) está provocando questionamentos no meio jurídico sobre, de um lado, o alcance das investigações de casos de crimes de colarinho branco e, de outro, garantias fundamentais do cidadão no Estado democrático de Direito.
Na terça-feira (2), o colegiado ratificou decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin que permite à polícia e ao Ministério Público acesso direto a relatórios de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização prévia da Justiça. No entendimento de muitos advogados, essas medidas fragilizam direitos constitucionais, como os sigilos bancário e fiscal.
A decisão, que anulou entendimento contrário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que mantinha exigência de autorização judicial, na prática, facilita o trabalho de investigações sobre crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e terrorismo. Por outro lado, advertem advogados, pode expor dados sigilosos de cidadãos e empresas, facilitar a chamada "pescaria probatória" e resultar em abuso de poder.
No Estado, um dos críticos da decisão é o advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio Grande do Sul entre 2016 e 2021 Ricardo Breier, que entende que o cidadão ficará mais vulnerável.
- Posso não ser investigado, e a polícia simplesmente, por suspeitar de um ilícito que eu tenha praticado, solicitar dados diretamente ao Coaf sem fundamentação, alegando apenas que estão fazendo uma investigação. Mas qual o objeto da investigação? Quais os fundamentos? O que leva a uma necessidade de quebra de sigilo constitucionalmente protegido? - questiona o advogado, que espera que o tema seja reavaliado pelo pleno do STF.
A iniciativa do Supremo ocorre em meio ao contexto de decisões de tribunais que absolveram pessoas denunciadas pelo MP a partir de provas compartilhadas do Coaf, sem autorização judicial. O caso específico analisado em Brasília foi o julgamento de um recurso apresentado em uma reclamação do MP do Pará, que questionou decisão do STJ sobre o compartilhamento de dados entre a polícia e o Coaf sem autorização judicial. A Corte anulou o inquérito sobre sonegação de R$ 600 milhões de uma cervejaria porque o Coaf enviou um relatório sobre transações suspeitas a pedido dos investigadores. O entendimento é que houve produção de provas por encomenda. A decisão da 1ª Turma do STF entende que o STJ interpretou o tema de forma equivocada.
Ligado ao Ministério da Fazenda e formado por integrantes de vários órgãos de governo, o Coaf tem a função de receber, examinar e identificar operações financeiras suspeitas. Produz dois tipos de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF): um "espontâneo", iniciado pelo próprio órgão a partir da análises de indícios de irregularidades apontadas por bancos e cartórios, por exemplo; e outro chamado de "RIF de intercâmbio", produzido a partir de pedidos das autoridades para eventuais investigações, mediante autorização judicial. A decisão do STF extingue a necessidade do aval da Justiça no caso desse segundo tipo.
No ano passado, foram produzidos quase 23 mil relatórios dessa segunda espécie. Se esse número já é alto, mesmo que os casos tenham passado pela análise do Judiciário, que funciona como uma espécie de filtro, com o sinal verde dado pelo Supremo, ele será muito maior.
O voto de Zanin foi acompanhado pelos ministro Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Aliás, se os "RIF espontâneo" não pudessem ser compartilhados com policiais e MP, vários casos em andamento, que usam provas originadas de informações do Coaf seriam afetados, entre eles investigações sobre os ataques de 8 de janeiro em Brasília.