De nada adianta o governo Lula pressionar Nicolás Maduro por eleições limpas e transparentes na Venezuela e, ao mesmo tempo, passar pano para Vladimir Putin, sob o qual pesa uma ordem de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o Brasil encaminhou em novembro de 2023 um documento à Organização das Nações Unidas (ONU) endossando tese de imunidade para chefes de Estado e outras autoridades, que, na prática, pode abrir caminho para Putin pisar em solo brasileiro sem ser preso. O líder russo é acusado de transferência e deportação ilegal de crianças durante a guerra na Ucrânia.
Criado pelo Estatuto de Roma, o TPI julga pessoas por crimes de guerra e contra a humanidade. Mas sua jurisdição é restrita a países signatários de tal acordo. O Brasil assinou o Estatuto de Roma e o "internalizou" em 2002. A Rússia, assim como China e Estados Unidos, não reconhecem a autoridade da Corte.
O interesse do governo, já manifestado em declarações de Lula e de seus interlocutores, como o assessor especial Celso Amorim e o chanceler Mauro Vieira, é de que Putin venha ao Rio de Janeiro, em novembro, para a reunião de cúpula do G20. Mas sua chegada criaria um constrangimento para o Brasil, que, como signatário do TPI, teria de prendê-lo, assim que pisar em território nacional. Brasil e Rússia são membros dos Brics, bloco que inclui ainda Índia, África do Sul e China.
Aliás, a situação de Putin já tem gerado constrangimentos a cada encontro internacional. Em agosto, por exemplo, o russo não pode participar do encontro dos Brics em Johannesburgo, na África do Sul, pelo mesmo motivo. Todos os demais líderes do bloco — o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa; o líder chinês, Xi Jinping, Lula e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, estavam presentes.
Em novembro, o governo brasileiro enviou à Comissão de Direito Internacional da ONU um documento com argumentos jurídicos para garantir imunidade de chefes de Estado e outras autoridades. Pela tese, acordos que criam tribunais internacionais, como o Estatuto de Roma, deveriam ter efeito apenas entre seus signatários. Ou seja, o chefe de Estado de um país não signatário (no caso, a Rússia) não poderia ter sua imunidade ignorada ao visitar um país que reconhece o acordo (no caso, o Brasil).
O tema é controverso e debatido na ONU desde 2007. Voltará à mesa durante a 75ª sessão da Comissão de Direito Internacional, que será realizada entre abril e agosto.
Para o Brasil, é o famoso "jeitinho" aplicado à diplomacia. Para o Direito Internacional, seria um recuo histórico no campo jurídico que já colocou na cadeia tiranos e violadores de direitos humanos pelo mundo. Infelizmente, em geral de países em desenvolvimento ou pobres. A luta deveria ser para ampliar o número de governos que assinam o Estatuto de Roma, não para dar a volta na legislação.
Em tempo, na semana em que Putin garantiu mais seis anos no poder na Rússia em eleições com cartas marcadas, o PT felicita o líder pelo que considera "feito histórico”. O texto é assinado por Romênio Pereira, secretário de Relações Internacionais do partido.