Não se sabe, até o momento, se as recentes críticas do presidente Lula (via Itamaraty e via ele próprio) ao regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, são fruto de uma tomada de consciência ou mero cálculo político.
Além disso, é muito cedo para se falar em mudança de posição do governo brasileiro em relação ao autocrata que habita o Palácio de Miraflores, em Caracas.
Não se apaga um histórico de gestos e declarações em defesa de Maduro - e, anteriormente, de Hugo Chávez -, do dia para noite.
Lembro de ter questionado Lula, no ano passado, durante entrevista à Rádio Gaúcha sobre a dificuldade de seu governo de considerar a Venezuela uma ditadura. O presidente, que faria a primeira visita ao Estado no atual mandato dali alguns dias, disse que "a democracia era um conceito relativo" e que "na Venezuela havia mais eleições do que no Brasil". Ponderei, baseado em exemplos de Iraque, Síria e outras tiranias, que eleições, por si só, não garantem democracia. O presidente, então, sugeriu que poderíamos cobrir as eleições de 2024 na Venezuela, ao que retruquei que havia ido à Venezuela, em 2019, e fora recluso em uma unidade militar pelo regime Maduro, aliás, na frente do Miraflores.
Não acredito que Lula tenha mudado de opinião em relação ao regime bolivariano. No entanto, independentemente de suas motivações, o presidente posiciona-se, desta vez, do lado certo da História ao considerar, finalmente, a situação política no país vizinho como "grave", criticando o fato de a principal candidata da oposição, a filósofa e professora universitária Corina Yoris, não ter conseguido registrar sua candidatura para enfrentar Maduro nas eleições de 28 de julho.
- Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato - disse Lula, em tímida repreensão.
Maduro, aparentemente pego de surpresa com o pito recebido pelo irmão mais velho, beirou a ingenuidade, sugerindo que a posição brasileira havia sido ditada pelo governo dos Estados Unidos.
Muitos desceram do barco da América Vermelha, termo que, na primeira década do século 21, caracterizava a ascensão de líderes de esquerda como Lula no Brasil, Michelle Bachelet no Chile, José "Pepe" Mujica no Uruguai, Néstor Kirchner na Argentina, o ex-padre Fernando Lugo no Paraguai, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e, claro, Hugo Chávez na Venezuela. Eleito em 2022, Gabriel Boric, o presidente de centro esquerda chileno, foi um dos primeiros a criticar abertamente Maduro. Recentemente, em 17 de fevereiro, o ex-presidente Mujica afirmou:
- Na Venezuela existe um governo autoritário e você pode chamá-lo de ditador, chame-o do que quiser.
No ano passado, o atual presidente colombiano, Gustavo Petro, também de esquerda, após cumprir várias vezes a ponte-aérea Bogotá-Caracas, apostando em seu poder de sedução para trazer Maduro de volta ao cenário internacional, expressou "preocupação" pelas "dificuldades que enfrentam setores majoritários da oposição" ao tentar inscrever seus candidatos na eleição e "a necessidade de um processo eleitoral livre, justo e competitivo".
Maduro havia se comprometido, por meio dos Acordos de Barbados, a abrir caminho para eleições transparentes. No entanto, bloqueou todas as vias para a oposição.
De governos adversários, ele já está acostumado a receber críticas, mas fogo amigo, para ele, é jogo sujo, golpe baixo. Não só pela suposta fidelidade, mas porque as críticas podem significar isolamento na região. Coube a Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional controlada pelo partido madurista o PSUV, responder dessa vez, negando tudo o que ocorreu nos últimos dias.
- O presidente Petro, o presidente Lula, Mujica, etc... sabem do plano insurrecional e de assassinato aqui revelado pelo principal porta-voz do fascismo de Miami? Seus países aceitariam planos de ataque ao presidente como aqueles que revelamos em inúmeras ocasiões?
Nem na estratégia foi criativo: apostou na desgastada fórmula de criar um inimigo externo. E, para isso, acusou a oposição de tramar planos mirabolantes para matar Maduro, um medo, aliás, comum a todo líder autoritário, de Fidel Castro a Vladimir Putin.
Ao final da declaração, Rodríguez apelou.
- Não nos envolvemos nos negócios de ninguém. Enfiem suas opiniões onde elas cabem - disse, referindo-se a Lula, Mujica e Petro.