O conteúdo dos depoimentos dos ex-comandantes da Marinha e do Exército, prestados à Polícia Federal (PF) no âmbito do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado, que anularia o resultado da eleição de 2022 e impediria a posse do presidente eleito, foi recebido com certo alívio na caserna.
O dano à imagem das Forças Armadas com a politização durante o governo Jair Bolsonaro está feito, no entendimento de militares que entendem que a instituição, assim como o corpo diplomático do Itamaraty, deve estar a serviço do Estado - e não de governos. Apesar de reconhecerem o dano, que só será "superado com o tempo", segundo alguns, os depoimentos confirmam um sentimento que já vinha se formando desde os primeiros vazamentos das falas do tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, e do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército: a percepção de que o plano golpista era levado a cabo por alguns integrantes das Forças Armadas - e não instituição a como um todo. Nesse sentido, a oficialização a partir das falas agora reveladas reduz a pressão sobre as Forças.
Alguns militares chegam a afirmar categoricamente que, à época, nunca pensaram que o golpe se consolidaria, porque Bolsonaro "não tinha apoio suficiente". Corrobora para essa opinião duas percepções: (1) a de que a democracia do Brasil está consolidada e (2) o fato de que não há ruptura constitucional sem apoio suficiente da Força Terrestre. Em outras palavras, não há golpe sem a aderência do Exército, que, dentre as três Forças, é a que detém maior efetivo e capilaridade territorial.
O alívio trazido a partir da revelação do conteúdo dos depoimentos - e até certo orgulho velado no Exército a partir da suposta frase de Freire Gomes de que, se Bolsonaro atentasse contra a Constituição, o general teria dito que seria obrigado a lhe dar voz de prisão, conforme o depoimento de Baptista Júnior -, no entanto, não esconde certo constrangimento.
Passado o temporal, alguns oficiais admitem que é necessário rever regimentos internos das Forças Armadas para dificultar que elas sejam, no presente e no futuro, instrumentalizadas para uso de alguns atores políticos. Em resumo, a busca por mecanismos que sirvam como imunizantes ao "canto da sereia" do poder além daquele garantido pela Constituição: a defesa da soberania nacional diante de ameaças externas.