Enquanto caminho por Masdar City, fico imaginando o que passava pela cabeça de Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, os três magos que criaram Brasília. Com a tecnologia da época, ergueram uma capital nos grotões do Brasil. Obviamente, imaginaram os prédios dos três Poderes, os monumentos, os eixos, a distância entre os edifícios e as pilastras do que é a capital brasileira desde 1960.
Grosso modo, é o que os governantes, engenheiros, arquitetos e urbanistas estão fazendo em Masdar City, 63 anos depois: começando uma cidade do zero - aliás, os emiradense são bons nisso, em construir megalópolis entre a areia do deserto e o mar do Golfo Pérsico. Só que de Brasília para Masdar City, que fica ao lado de Abu Dhabi, a tecnologia evoluiu e, como humanidade, sabemos home muito mais dos impactos que provocamos no ambiente do que nos anos 1950.
Os Emirados Árabes Unidos, país onde quase tudo é "o maior do mundo" - o avião comercial, os arranha-céus, os shoppings - estão erguendo a cidade "mais sustentável do planeta". O projeto está 45% concluído. A previsão de entrega é até 2030.
A coluna visitou Masdar City nesta quinta-feira (7), a partir de um ônibus gratuito que sai pela manhã da ExpoCity, local da COP28, e retorna à tarde. É a vitrine do emires nesta COP e serve como contraponto à imagem negativa do país em relação ao ambiente devido à exploração do petróleo. Eles querem mostrar ao mundo Masdar City.
A um primeiro olhar, não há nada muito diferente de uma cidade europeia e suas áreas modernas e tecnológicas, como Bonn e Hamburgo, por exemplo. Mas, para os padrões dos Emirados, onde em Dubai cada arquiteto parece disputar para ver quem faz o edifício mais alto, soa diferente. Em Masdar City, as edificações não podem ultrapassar cinco andares. Também foram projetadas para ficarem mais próximas umas das outras, o que evita a penetração dos raios solares e garante sombra.
Vale prestar atenção nos detalhes: um dos prédios, por exemplo, foi projetado de forma que uma espécie de marquise evita que os raios solares alcance a fachada de vidro, diminuindo o calor interno. Na área do centro, não circulam carros. Só pedestres. E a iluminação não vem de cima, de postes, por exemplo. Surgem do chão, para evitar manutenção mais cara e difícil, segundo Mawada, a guia responsável pelo tour. Menina dos olhos da cidade é a Mohamed bin Zayed Artificial Inteligence University, a universidade focada em inteligência artificial onde mais de 5 mil estudantes por ano disputam apenas 200 vagas. Mawada me diz que, aqui, cada professor atende a quatro estudantes, no máximo, garantindo um ensino quase exclusivo. Chama a atenção as acomodações: a fachada, em mashrabiya, elemento arquitetônico característico do mundo islâmico, permite, que o vento adentre nos dormitórios, a luz solar ilumine os ambientes e haja alguma privacidade.
Embora a beleza esteja nos detalhes, o que mais chama a atenção são as novidades tecnológicas: uma "fazenda" de 88 mil painéis solares garante a iluminação de Masdar City; uma torre de arrefecimento com 45m de altura, “suga” o ar quente e libera uma brisa fresca para as ruas; e outra edificação "produz" água a partir da humidade para as plantas. Os automóveis foram substituídos por um sistema automatizado guiado por trilhos subterrâneos, com carros de tamanho mais reduzido para uso individual ou em grupo. Andar nos veículos elétricos sem motoristas é o ponto alto do passeio. Mawada me diz que os carrinhos, com capacidade para quatro pessoas, são tão sensíveis que, se perceberem a aproximação de um gato, param imediatamente. "Nunca houve um acidente", garante ela.
Masdar é financiada pelo governo dos Emirados Árabes Unidos e construída pela subsidiária da Mubadala Development Company. A cidade é 100% dependente de energias renováveis, produz zero resíduos, livre de combustíveis fósseis e com a meta, ainda por atingir, de zero emissões de dióxido de carbono. Foi desenhada pela empresa britânica Foster and Partners. Hoje, moram 15 mil pessoas aqui, a maioria estudantes. No futuro, debe abrigar 40 mil.