Fake news, mau jornalismo e o território sem lei das redes sociais.
Essa combinação macabra, que costuma ocorrer com muita frequência, está por trás da morte de Jéssica Vitória Canedo, 22 anos, em Minas Gerais. Ela se suicidou depois de perfis de fofoca terem veiculado a informação falsa de que a jovem teria um caso com o humorista Whindersson Nunes. Ambos negavam.
Embora eu discorde do termo "fake news", porque, se é "fake" não é "news", vou adotá-la aqui para facilitar a compreensão. A "fake news", que nada mais é do que mentira, alimenta-se da preferência do ser humano por temas bizarros ou sensacionais. Seu eu anunciar, em uma sala cheia de pessoas, que um avião acabou de cair em Porto Alegre, em 10 segundos essa (des) informação será postada em redes sociais e, em segundos, ingressará no sistema sanguíneo nefasto do mundo digital a ponto de ser quase impossível desmenti-la. Isso que nos leva à segunda expressão desse caldeirão sombrio: mau jornalismo.
Comecemos pela sua antítese: o bom jornalismo exige ouvir o maior número de fontes possível, conversar com autoridades e, se possível, tentar confirmar um fato pelo testemunho ou observação in loco. Ainda sobre exemplo do avião, antes de publicar qualquer informação, o jornalista profissional irá telefonar para o aeroporto local, ouvir corpo de bombeiros, acionar o governador do Estado, buscar testemunhas, tentar chegar ao local da suposta queda. Ver. Isso é o que chamamos de método jornalístico. Leva algum tempo - nem que sejam 10 a 15 minutos, ainda é muito mais lento do que o simples clique de uma postagem ou reecaminhamento de uma mensagem pelas redes. Sem falar que, uma vez desmentida a (des) informação sobre a queda da aeronave, muito provavelmente, essa "notícia" terá menos views e likes do que o boato. Porque, no jogo da sedução, a verdade perde de goleada para a mentira. O que nos leva ao terceiro ponto desse raciocínio: redes sociais alimentam-se, como sanguessugas, de emoções humanas. Aliás, quanto pior o sentimento, melhor para elas. Mais cliques, mais compartilhamentos, mais... dinheiro.
Jéssica não é a primeira vítima e, infelizmente, não será a última. No ano passado, a Justiça britânica considerou que o funcionamento dos algoritmos das redes sociais, que tendem a oferecer aos usuários conteúdo similar ao que eles viram antes, teve efeito negativo sobre uma jovem de 14 anos que também tirou sua vida. Os conteúdos vistos não eram seguros e nunca deveriam ter sido acessíveis.
Agora, quem decide o que pode e o que não pode ser visto? Quem diz o que é ou não fake news? Uma agência reguladora? Um governo? Ambos os reguladores me parecem temerários porque, como se sabe, autoridades costumam taxar de fake news não aquilo que é mentira, mas, em geral, uma informação que não lhes é abonadora. Por isso, no Reino Unido ou no Brasil, essa é uma discussão entre liberdade de expressão e proteção do usuário. Defendo a autorregulamentação dos meios de comunicação e sou contrário a qualquer conselho de jornalistas, pelo simples fato de que veículos de comunicação profissionais já respondem a códigos de ética e são filiados a entidades e associações. Bons jornalistas seguem métodos e são passíveis de responderem criminalmente na Justiça por eventuais abuso. O problema é que, no caso das redes, ninguém as regula. Elas são árbitro e jogadores da própria partida - além de estádio e torcida. E, quando são chamadas à responsabilidade, dizem algo do tipo: "Sério? Não sei, somos apenas canais de divulgação. Cada indivíduo é responsável pelo conteúdo que publica".
Os sites que reproduziram a mentira sobre Jéssica retiraram a fake news do ar depois do suicídio. Soa como o Facebook (hoje Meta), que só interrompeu a transmissão das imagens da câmera corporal de Brenton Tarrant, que invadiu duas mesquitas em Christchurch em 2019, depois que ele havia matado 51 pessoas.