Em artigo no The Washington Post deste domingo, o presidente dos EUA, Joe Biden, defendeu que a Autoridade Nacional Palestina (ANP) deve governar Gaza e Cisjordânia, depois que a guerra terminar. Ok, poucos discordam - muito provavelmente Benjamin Netanyahu seja um deles, mas, ainda assim, pressionado, irá ceder. Mas não é essa a questão. O ponto é como a ANP, uma entidade corrupta, autoritária, questionada pelos próprios palestinos e chefiada por um líder enfraquecido conseguirá exercer o poder nesse momento que será determinante para o futuro do Oriente Médio - quando e se chegar?
A ANP foi criada pelos acordos de Oslo, em 1993, como uma espécie de órgão de transição antes da fundação do Estado Palestino. Logo, ela assumiu a administração de serviços públicos, como educação, saúde e segurança, mas sem o principal para a configuração de um país: soberania sobre a totalidade do território.
Não há dúvidas de que Gaza e Cisjordânia devem ser governados pela ANP. Mas isso só ocorrerá se os erros dos últimos 30 anos não forem repetidos. A entidade é disfuncional hoje porque falharam Israel, com suas seguidas incursões militares aos territórios; os EUA, por desinvestimento e mudança de prioridades geopolíticas; e os governos árabes, porque, mais preocupados com demandas internas, abandonaram a causa palestina. No entanto, a maior culpada pela falência institucional daqueles que são os legítimos representantes do povo palestino é a própria ANP.
Com sede em Ramallah, a entidade governada pela Fatah, grupo político de Yasser Arafat, hoje representada por Mahmoud Abbas, é vista como ferramenta de Israel pela maior parte de sua população. Isso porque tem o controle total de apenas 11% do território da Cisjordânia, a chamada Área A. Na Área B (28%), o poder é compartilhado com Israel. E os restantes 61%, a área C, são controlados por Israel. Assim, aos olhos do cidadão comum, que vive entre check points e blindados israelenses, a ANP brinca de governar um país de faz-de-conta.
Enquanto a população sofre constrangimentos no que deveria ser sua terra, seus altos representantes muitas vezes têm autorizações especiais para viagens dentro da Cisjordânia e até em Israel. Sem falar que governam o território como uma autocracia. Abbas, eleito em 2005, teria mandato de quatro anos. Mas, desde aquele ano, segue entronado no poder, presidindo por decreto um sistema falido. Hoje, segundo o Palestinian Center for Polícy and Survey Research, 62% dos palestinos veem a ANP como "um fardo", e 78%, conforme o mesmo instituto, querem a renúncia de Abbas.
Esse é o dianóstico, ao qual não é difícil chegar - basta observar o silêncio de Abbas nos dias seguintes aos atentados terroristas de 7 de outubro, e a ausência da ANP de qualquer tipo de interlocução. Há um silêncio constrangedor. O complicado mesmo, no entanto, é a solução. Se Abbas convocar eleições, há grandes chances de a Fatah perder o controle da ANP para o Hamas, assim como ocorreu em Gaza, em 2006. Seria o pior dos mundos. Sendo assim, é melhor para todo mundo (EUA, Israel, governos árabes e a própria Fatah) fechar os olhos. Disfarçar. Ruim com a Fatah, pior, muito pior, com o Hamas.