Os olhos do mundo estão voltados para a Faixa de Gaza. Mas a Cisjordânia, o outro território palestino, é uma bomba-relógio prestes a explodir. Antes de tudo, cabe compreender que essa área de 5,8 mil quilômetros quadrados é o mais próximo possível da existência de um Estado Palestino. É administrada de diferentes formas: a zona A (11%) tem controle civil e de segurança da Autoridade Nacional Palestina, ANP, também o mais perto que se possa entender como um governo de um país chamado Palestina; a zona B (28%), com controle civil palestino e segurança compartilhada por palestinos e israelenses; e área C (60%), ocupada militarmente e administrada por Israel.
Essa sopa de letras, que remonta aos Acordos de Oslo, é importante não só do ponto de vista do Direito Internacional, mas porque dela depende boa parte dos discursos de israelenses e palestinos.
A área C, como se vê, compreende a maior parte do território - e o poder ali, pelos tratados de 1993, seria transferido aos palestinos em um acordo de paz definitivo. O problema não é mais nem “quando?” isso ocorrerá - seria exercício de futurologia diante dos fatos traumáticos do massacre perpetrado pelos terroristas do Hamas e reação israelense. A questão é “como?”: como a maior parte de um futuro Estado palestino seria incorporada pelos palestinos se ali, hoje, há centenas de colônias (ou assentamentos) judaicos?
Para Israel, se não houve o acordo de paz definitivo, essa zona C constitui uma “área em disputa”. Logo, não pode ser incluída, genericamente, no que o mundo convenciona chamar de Territórios Palestinos. Para os palestinos, é mais simples: eles o chamam de Territórios Palestinos ocupados.
É ali que vivem 450 mil colonos israelenses - três vezes mais do que no momento da assinatura dos acordos de Oslo, e 300 mil palestinos. Quando me refiro à bomba-relógio, é sobre essa área que falo. O nível de violência entre os habitantes das colônias e os palestinos aumentou muito desde o trágico 7 de outubro: mais de 180 palestinos foram mortos em escaramuças desde então, totalizando, com os mortos anteriores, 333 só neste ano. Em 2022, foram 146.
Desde o primeiro governo de Benjamin Netanyahu, nos anos 1990, o número de colonos cresceu quatro vezes - de 116 mil para 465 mil. São moradores, em geral, que migram para essas áreas mais baratas, com subsídio do governo israelense, que garante estrutura e segurança. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE) consideram as colônias violação ao Direito Internacional.
É parte da política de Netanyahu aumentar o número de assentamentos, dentro da habitual tática de “dividir para conquistar” - tão antiga quanto Napoleão, Filipe II da Macedônia e Júlio César. Em sua aliança com os religiosos e ultranacionalistas que o sustentam no gabinete, essa é uma lógica que faz sentido. No caso palestino, a presença das colônias inviabiliza a continuidade territorial de um futuro país.
Essa estratégia é equivocada por vários motivos: (1) desmoraliza os moderados da Fatah, partido que governa a ANP. Logo, reforça os radicais na disputa política interna palestina. Falo de Hamas e Jihad Islâmica; (2) inviabiliza tentativas de construir um Estado palestino, ou seja, a solução de dois Estados, o que provoca críticas internacionais; (3) dificulta conexões entre cidades palestinas, já que há bloqueios e cercas no caminho, com revistas muitas vezes constrangedoras à população; (4) a opressão de viver sob permanente estado de controle, observância e ocupação alimenta, entre a população, uma ira que encontra no terrorismo uma saída; (5) mobiliza efetivo e bilhões em recursos financeiros israelenses para garantir a segurança dessas colônias. Aliás, nos 15 dias em que estive em Israel pós-atentados terroristas, o que mais ouvi dos críticos de Netanyahu é que o governo, nos últimos anos, concentrou enormes esforços em ampliar os assentamentos na Cisjordânia, desguarnecendo as fronteiras com a Faixa de Gaza, nos arredores da qual ocorreram as atrocidades do Hamas.
Guerras ou revoluções costumam começar com eventos comezinhos. Fagulhas. A primeira Intifada, a Revolta Palestina de 1987, teve início porque um caminhão militar israelense se chocou contra um carro civil que transportava palestinos que retornavam a Gaza. Os israelense diziam que o motorista perdera o controle do carro; já os árabes afirmavam que a batida havia sido proposital. Em 2000, a segunda Intifada teve início com uma visita do então premier israelense, Ariel Sharon, ao Monte do Templo (a Esplanada das Mesquitas dos muçulmanos), em Jerusalém.
Desde 7 de outubro, a abertura de um front norte, se manteve, por enquanto, limitada a escaramuças como Hezbollah, que não tem interesse em iniciar uma guerra com Israel. Mas, na Cisjordânia, onde atuam Hamas e Jihad Islâmica, o risco de uma terceira intifada é mais provável, real e imediato.