A novela da retirada dos primeiros brasileiros retidos na Faixa de Gaza terminou com final feliz. Foi louvável o esforço do governo desde o início - inclusive deixando estacionado no Egito o avião presidencial por semanas, até o desenlace do drama. Mas ficam alguns aprendizados. Uma série de episódios, encontros e desencontros e falas ideologizadas podem ter contribuído para a demora do processo.
1) Desde o início - e ainda hoje -, não estavam claros os critérios para a inclusão das nacionalidades na lista diária das pessoas que podem sair de Gaza. Israel e Egito comandam o processo.
2) Houve suspeitas - não confirmadas - de retaliação por parte de Israel, diante da rejeição do governo brasileiro em considerar o Hamas uma organização terrorista. Além de adotar a definição da ONU, que evita o termo, a diplomacia brasileira prefere manter "as portas abertas" com os extremistas, por entender que cortar laços pode ser pior para os brasileiros que lá vivem. O pano de fundo também são os interesses comerciais com árabes e com o Irã, padrinho do Hamas.
3) A declaração destrambelhada do assessor especial e ex-chanceler Celso Amorim, segundo o qual Israel pratica genocídio em Gaza, só complicou as coisas.
4) Israel tentou capitalizar a operação da Polícia Federal (PF) que prendeu dois suspeitos de integrarem uma célula do Hezbollah, na semana passada. A investigação era anterior à guerra, mas a disputa de egos entre quem tinha os méritos da ação gerou desgaste entre os governos israelense e brasileiro.
5) A ida do embaixador de Israel, Daniel Zonshine, ao Congresso, em Brasília, para se reunir com parlamentares de direita - e, por tabela, com o ex-presidente Jair Bolsonaro - também não contribuiu para que o processo de saída dos brasileiros fosse acelerado. O episódio tumultuou as relações e constrangeu diplomatas e parte da comunidade judaica de forma desnecessária. Aliás, nesse ponto, o Planalto agiu bem ao não responder às provocações de aliados para que expulsasse o diplomata do país. Isso só aumentaria o desgaste e poderia prejudicar ainda mais a saída dos brasileiros de Gaza.
Por fim, as falas do presidente Lula na recepção aos refugiados e repetida no programa "Conversa com o Presidente", nesta quarta-feira (14), sintetizam a confusão em torno do tema. Lula afirmou que o Hamas cometeu um ato "terrorista", mas criticou a resposta de Israel. Para o presidente, ataques que têm mulheres e crianças entre as vítimas são ações iguais ao "terrorismo".
Como já ocorreu em outras ocasiões, o presidente não apenas adota o equivocado princípio da falsa equivalência como simplifica demais as dinâmicas do Oriente Médio e as relações internacionais.