Ainda que seja uma incógnita política, Javier Milei, o presidente eleito da Argentina, desequilibra a balança para a direita no Mercosul - bloco econômico, aliás, que o autointitulado "anarcocapitalista" despreza. A partir da posse de Milei, em 10 de dezembro, a direita será poder também no Paraguai e no Uruguai. Os uruguaios vão às urnas em outubro do ano que vem. Não existe reeleição. A Frente Ampla tem uma pequena vantagem especialmente em Montevidéu, mas perde no interior, onde o voto se divide entre os tradicionais partidos Nacional (do atual presidente, Luis Alberto Lacalle Pou) e o Colorado. No Paraguai, o direitista Santiago Peña assumiu em 15 de agosto de 2023, tem longo mandato pela frente.
No mapa da América Latina, a "onda rosa" que ganhou corpo após um movimento de sucessivas vitórias da direita, iniciado na segunda década do século 21 - e que teve no Brasil, principal potência econômica da região, Jair Bolsonaro como expoente -, sofre um revés com a eleição de Milei. Mas ainda é maioria: além das esquerdas radicais, como Cuba, Nicarágua, Venezuela, Bolívia, México e Honduras, exerce o poder, mais próxima ao centro, em Brasil, Colômbia, Peru, Chile, Panamá e República Dominicana.
O México, país onde Andrés Manuel López Obrador testa os limites da democracia nas barbas dos Estados Unidos, também realiza eleições no ano que vem. Se não tirar nenhum coelho da cartola e decidir subverter a ordem democrática e estimular uma reforma constitucional que permita sua reeleição, AMLO, como é conhecido, deixará o poder. Assim, é bem possível que o México tenha a primeira chefe de Estado mulher da história: Claudia Sheinbaum, ex-prefeita da Cidade do México, é a sucessora natural de AMLO e foi confirmada como candidata do partido do governo nas eleições de 2024. Ela deve enfrentar Xóchitl Gálvez, que lidera a oposição.
No mapa do subcontinente, a direita, em diferentes matizes, governará, além de Argentina, Uruguai e Paraguai, também Equador, Costa Rica, Guatemala e El Salvador. Neste último, Nayib Bukele, que do outro lado do espectro político também testa os limites da ordem constitucional no pequeno país centro-americano, deve conquistar novo mandato.
Tão misterioso quanto tentar entender o futuro da Argentina sob Milei é tentar especular sua relação com os hermanos latino-americanos. De estilo agressivo, não é de duvidar que poderá, de forma abrupta, retirar o país do Mercosul. Ou, no mínimo, buscar negociar diretamente com outras nações, como o Uruguai vem tentando fazer com a China, por exemplo. Com o Brasil, a relação já se antecipava delicada: na campanha, Milei chamou o presidente Lula de "comunista". A reação brasileira a sua vitória foi protocolar, elogiando as instituições argentinas sem citar o nome do vencedor.
O Elcano Royal Institute for International and Strategic Studies, centro de estudos com sede em Madri, Espanha, traz um dado curioso. Mais do que uma "onda rosa", as crises econômicas de cada nação, aprofundadas pela pandemia, descrença nas instituições e polarização, parecem consolidar um "rechazo" a quem está no poder: desde 2015, das últimas 34 eleições na América Latina, os candidatos de oposição venceram em 27 oportunidades. Ou seja, a situação, se manteve no poder em apenas sete ocasiões.