A rebelião interrompida dos mercenários do grupo Wagner na Rússia é muito menos preto no branco do que desejariam muitos dos analistas ocidentais. O episódio que fez tremer as paredes do Kremlin por 48 horas está coberto de névoa, como quase tudo o que diz respeito à política russa. Qualquer conclusão deve ser acompanhada da conjunção adversativa "MAS"...
Vladimir Putin saiu desse incidente mais fraco, não há dúvidas. Seu poder foi questionado como nunca em 24 anos de poder. MAS, ainda assim, ele sobreviveu à quartelada, debelada em dois dias.
O Wagner, grupo privado que atua na Ucrânia, na Síria e em pelo menos 10 países africanos como um exército paralelo, mostrou seu poder ao mundo. Até então, era conhecido apenas entre círculos militares e entre acadêmicos das Relações Internacionais. Guardadas as proporções, a intentona contra o Putin foi um cartão de visitas como as torres do World Trade Center em chamas o foram para a rede Al-Qaeda, em 2001. Aliás, Yevgueni Prigozhin era, para os russos, o que, de certa forma fora Osama bin Laden os americanos. Cedo ou tarde, a criatura acaba se volta contra o criador.
MAS, embora tenha demonstrado sua força, o Wagner sai enfraquecido no terreno: não se sabe, até o momento, o que será dos combatentes rebelados. O suposto acordo para o fim do levante garante anistia. Mas quem, em sã consciência, acredita nas promessas de Putin?
Outro ponto: o Ocidente, de forma geral, analisa a ação de Prigozhin como um gesto que exibiu as fragilidades da segunda maior potência militar do planeta. É óbvio que os Estados Unidos e a maioria dos governos europeus querem a queda de Putin, MAS estão mais preocupados com o que viria depois. Putin é um autocrata, MAS seus passos são baseados no realismo político. Prigozhin, um ex-chef de cozinha convertido em um dos maiores líderes paramilitares do mundo, é uma incógnita. Ainda mais com o segundo maior arsenal nuclear do planeta em mãos.
O futuro de Prigozhin é outra dúvida. Ele tornou-se mundialmente conhecido, MAS comprou a ira de Putin. E não estará seguro em Belarus, Estado fantoche do Kremlin - aliás, ele não estaria a salvo nem em Londres, como o envenenamento do ex-agente duplo Sergei Skripal e de sua filha mostrou. Isso explica, em parte, porque, nos discursos, Prigozhin recuou. Agora diz que "nunca tentou derrubar Putin, mas apenas salvar o Wagner".
Seu objetivo é desconhecido, MAS sabe-se que, se seus homens se alistassem às forças regulares, como planejara o ministro da Defesa, Serguei Choigu, seu efetivo se tornaria uma força regular - o Wagner, na prática, deixaria de existir.
Outros breves "MAS". O ditador de Belarus, Aleksandr Lukashenko, ganhou status de estadista ao mediar o fim da crise, MAS não faz nada sem Putin. Moscou foi poupada de uma possível invasão, MAS com forças chechenas deslocadas de outras frentes de combate.
A grande incógnita, entretanto, é sobre o impacto do motim na guerra. O Wagner representou a infantaria de Putin na Ucrânia - venceu a principal batalha até agora pela Rússia, Bakhmut. Sem os paramilitares, a Rússia talvez não tivessem mantido a ocupação do Donbass. MAS qualquer estrategista sabe que não se deve confiar em mercenários.
O motim foi estancado, MAS o gênio não volta para a lâmpada. Putin não é inquestionável. As fissuras abertas pela ação de Prigozhin não fecharão.