Lembra da fábula do sapo e do escorpião, que estavam parados à margem de um rio? Pois é, por mais que alguém tente mudar, é quase impossível fugir dos instintos. Ao aceitar dar carona ao escorpião, o sapo confia na promessa de que o novo "amigo" não irá picá-lo, porque, se isso ocorresse, os dois morreriam afogados. Mas, antes de chegar a outra margem, escorpião quebra sua promessa e pica o sapo, que, sem entender, pergunta, desesperado:
- Por que você fez isso? Agora, morreremos os dois.
Ao que o escorpião responde:
_Porque esta é a minha natureza, meu amigo sapo. E eu não posso mudá-la.
É irresistível não lembrar dessa história ao observar o comportamento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) antes, durante e depois da aprovação da medida provisória (MP) que quase obrigou o governo Lula a governar com a estrutura ministerial da administração anterior.
Quando rompeu com Jair Bolsonaro e fechou o apoio ao PT para seguir no comando da Casa, Lula imaginou que poderia contar com o político alagoano, comandante do centrão, para aprovar os projetos do governo. De fato, sem Lira, Lula não teria conseguido passar o texto da nova regra fiscal, por exemplo, sem maioria na Casa, com uma articulação pífia e sem base, enfrentaria muito mais problemas para governar. Mas o presidente esqueceu que Lira, um dos fiéis escudeiros de Bolsonaro no Legislativo, não mudaria da noite para o dia. Nem o estava apoiando por bondade ou muito menos alinhamentos ideológicos. É por poder. É isso que o move.
Tanto que, nas últimas semanas, Lira deixou claro que não irá transigir de exercê-lo quando seus interesses forem contrariados. Ao dizer que o governo tem de andar com as próprias pernas a partir de agora e que a Câmara não vai mais abrir mão de seus interesses (leia-se os dele e do centrão), Lira faz um alerta com tom de ameaça. De fato, de sua cadeira, ele pode travar projetos importantes do Planalto, como a mudança das regras para a proclamação de resultados de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a MP que recria o Minha Casa, Minha Vida com alterações necessárias e, em última análise, a reforma tributária.
Por quê? Há várias camadas. A mais superficial deve-se às rixas que servem para distrair a crônica política como a briga com o senador Renan Calheiros (MDB) - Lira teria pedido a cabeça do ministro dos Transportes, Renan Filho. A camada intermediária indica que o centrão busca mais espaço no governo: leia-se cargos de segundo e terceiro escalões e até uma reforma ministerial.
Mas, mais do que qualquer coisa, Lira e o centrão querem a liberação de emendas parlamentares. Isso significa a garantia de que Lula irá abrir o caixa. O governo entendeu o recado: com a MP da reestruturação dos ministérios prestes a caducar, o Planalto liberou R$ 1,7 bilhão em emendas, um recorde para o ano. O PP, partido de Lira, teve aumento de 9%. A travessia do rio só está começando.