O bolsonarismo não acaba com Jair Bolsonaro eventualmente inelegível. Assim com o trumpismo não acabou com a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2020.
Digo "eventualmente inelegível" porque escrevo este texto antes do início da segunda sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que decidirá, nesta terça-feira (27), o futuro do ex-presidente com base na ação do PDT que o acusa de abuso de poder por conta da infame reunião com os embaixadores estrangeiros no Alvorada, em julho de 2022.
Obviamente, ninguém do círculo próximo de Bolsonaro deseja que ele se torne inelegível, mas, a médio prazo, talvez o ex-presidente se torne ainda mais forte tendo sido condenado pela Justiça Eleitoral. Diante de sua base mais fiel, receberá a coroa de "injustiçado", o que favorece a visão, entre seus seguidores, de "mito".
Aliás, quem tem alguma curiosidade por mitologia comparada - ou nos anos 1970 e 1980 foi fã de Star Wars, Rocky Balboa, Indiana Jones e algumas animações da Disney - talvez já tenha ouvido falar na "Jornada do Herói" ou o "monomito".
Trata-se de um conceito desenvolvido pelo escritor Joseph Campbell descrito na obra "The Hero with a Thousand Faces" ("O Herói de Mil Faces"), influenciado pela psicologia de Carl Jung. Nesse trabalho, Cambell defende a existência de um padrão universal que seria a essência comum aos contos heróicos em todas as culturas da humanidade - em última análise, poderia aplicar-se a nossa própria trajetória na Terra.
Para Campbell, a Jornada do Herói começa e termina no mundo normal do personagem, mas a missão passa por um mundo especial não conhecido, uma aventura, onde acontecem vários eventos. Pense em um filme tipo Indiana Jones: o herói, antes de atingir a glória e voltar transformado para a sua vida comezinha, precisa cair, ser derrotado, quase morrer (às vezes morrer de verdade para ressuscitar em algumas religiões). Mas, por ser o herói, e mediante grandes provações, ressurge com o cálice da vida, um prêmio que ajudará sua comunidade - uma população, uma sociedade, quiçá a humanidade inteira.
Cair. Eis o que falta para a narrativa "mitológica" de Bolsonaro. Descer às catacumbas da política - talvez até ser preso (em sua visão, "injustamente"), o que o igualaria, também em nível mitológico, a Lula.
Do ponto de vista estratégico, ficar inelegível por oito anos pode até ser positivo. Talvez Bolsonaro seja mais útil fora do poder, percorrendo os Estados para ajudar a eleger prefeitos e vereadores (em 2024 e 2028) e governadores, deputados e senadores (em 2026). Não poderá concorrer a cargos públicos, mas não terá direitos políticos cassados - será permitido a ele fazer moticiatas, conceder entrevistas, abençoar candidatos. E voltar, lá no futuro, mais forte. Ressuscitar daqui oito anos.
Eis aí uma boa história a ser contada. Só não esqueçam os estrategistas de campanha o que qualquer roteirista de Hollywood sabe: a "jornada do herói", além de um estudo mitológico, é uma técnica narrativa que também pode ser aplicada a vilões.