Nos anos 1970, era comum considerar a América Latina, de forma pejorativa, como “quintal dos Estados Unidos”. Mas a realidade é que, desde 2001, quando os americanos sofreram seu maior atentado terrorista, em Nova York e Washington, o imenso torrão de terra ao sul do Rio Grande deixou de ser prioridade da Casa Branca.
Com o fim da Guerra Fria, a queda do inimigo soviético que volta e meia estendia seus tentáculos sobre o subcontinente, o fim dos regimes militares no Cone Sul, e uma ameaça muito mais ativa vinda dos extremistas islâmicos, o Oriente Médio passou a monopolizar as atenções dos estrategistas de Washington.
Como em política não há vácuo de poder, esse espaço passou a ser ocupado, paulatinamente, pela China. O comércio entre o dragão asiático e a América Central e do Sul registrou um aumento de 11% em 2022, chegando a 437 bilhões de euros, conforme estatísticas oficiais chinesas. Os Estados Unidos seguem sendo os principais parceiros comerciais da região — mas, individualmente, a China já superou os americanos nas maiores economias da região, como Brasil, Chile e Peru.
Para os chineses, a América Latina é um jogo de ganha-ganha: como mercado consumidor de seus produtos e como fornecedor de matérias-primas, como ferro, alumínio, estanho e soja. O sopro do dragão é tão encantador que o Uruguai esteve a ponto de se livrar das amarras do Mercosul para negociar, sozinho, um acordo de livre comércio com a China.
Além do comércio, o país asiático ampliou a participação em projetos de infraestrutura na área. É difícil uma capital latino-americana não ser iluminada, à noite, por letreiros de empresas chinesas — que o diga a área de Puerto Madero, em Buenos Aires, por exemplo.
Instituições de crédito estatais ou grandes empresas privadas do país asiático investem em portos no Brasil, usinas nucleares na Argentina ou na rede elétrica do Chile. A gigante das comunicações Huawei, para quem os americanos torcem seus narizes, é há anos a principal fornecedora das redes 4G e 5G no Brasil, por exemplo. Do megaprojeto Belt and Road Initiative (a Nova Rota da Seda), além do Brasil, apenas Paraguai, Colômbia e Guiana Francesa não fazem parte.
O tapete vermelho que Xi Jinping estende ao presidente Lula nesta semana tem um impacto simbólico impressionante, consagrando a influência geopolítica e econômica chinesa na América Latina no momento em que os EUA perdem seu monopólio nas Américas. Cabe cautela para não trocar uma hegemonia por outra. Ou, na metáfora do início deste texto, o quintal apenas mudar de dono.