Sobre certos temas a Igreja nunca vai mudar. Ouvi essa frase, certa vez, de um já falecido cardeal, enquanto cobria a morte do papa João Paulo II, em 2005. Mudar, dizia ele, significaria o colapso da instituição. Além dos dogmas, estariam também entre os temas "imutáveis" está a ordenação de mulheres, o celibato e o aborto. No restante, quase tudo negociável, sob a ação do tempo e da História.
Apesar de dificilmente a Igreja mexer em pilares doutrinários, muito já mudou ao longo do tempo para acompanhar os avanços sociais. Estão aí as alterações do Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João 23 em janeiro de 1959 e conduzido em boa parte por seu sucessor, Paulo VI: as missas deixaram de ser rezadas em latim e passaram a ser celebradas nos idiomas de cada país, passou-se a aceitar que seria possível conhecer Deus em outras religiões, os Pontífices dividiram mais seu poder com bispos e a Igreja reconheceu o papel dos meios de comunicação no processo de evangelização.
Mas a porção humana da Igreja, que também é santa para seus fiéis, move-se também em meio à política. Por isso, sua história alterna períodos progressistas e conservadores. Calhou de vivermos no mesmo período histórico de grandes conservadores, como João Paulo II, e de grandes reformadores, como Francisco, que, nesta segunda-feira (13), completa 10 anos de pontificado.
Intramuros, o papa argentino fez muito, de forma silenciosa: iniciou, por exemplo, a necessária reforma da Cúria Romana, cuja corrupção e inércia ajudou na queda de Bento XVI, e acabou com o sigilo pontifício, utilizado para acobertar os crimes de padres pedófilos por décadas.
Extramuros, a parte mais visível, obviamente, recuperou a simplicidade do pastor de 1,34 bilhões de católicos, retomou, em parte, a ideia de uma Igreja presente nas ruas, nos grotões, aproximando-se de comunidades LGBTQI+, aceitando a contracepção e, nos temas globais, defendendo a justiça social e o meio ambiente.
Grandes papas são feitos de imagens simbólicas, empurrados pelas conjunturas históricas ou por suas ações individuais: João Paulo II eternizou o gesto de beijar o solo de cada país onde chegava. Francisco foi um gigante ao rezar solitário na Praça de São Pedro em meio à pandemia de covid-19. A seu jeito, ambos deram exemplo.
O papa polonês morreu aos 84 anos. Bento XVI renunciou aos 85, e faleceu aos 95.
Desde que o papa alemão desceu do trono de São Pedro, essa opção está aberta, sem traumas, aos sucessores. O próprio Francisco já disse que, em caso de problemas de saúde que o impeçam de continuar, ele também poderia renunciar.
Enquanto isso, o papa argentino, que levou buenos - e novos - aires ao Vaticano, molda o Colégio Cardinalício a sua imagem e semelhança: cerca de 65% dos cardeais votantes de um futuro conclave foram indicados por Francisco. Ou seja, pensam em grande parte como ele.
De certa forma, Francisco escolhe, assim, o perfil de seu sucessor antes mesmo de a fumaça branca sair do alto da Capela Sistina.