A rigor, o Vaticano é uma monarquia absolutista regida por um regime teocrático. Ou seja, o comando supremo é exercido por um soberano, o Papa, sem parlamento, e as leis emanam de Deus. Tanto do ponto de vista administrativo enquanto Estado quanto como instituição responsável por guiar a vida de 1,3 bilhões de pessoas que professam a fé católica, a Santa Sé se caracteriza por uma hierarquia rígida, conservadora e de pouca transparência. Não se trata, portanto, de uma democracia.
É preciso ter em mente essas premissas para valorizar o movimento inédito iniciado pelo papa Francisco neste domingo (10). Pelos próximos dois anos, o Pontífice quer que o rebanho seja ouvido sobre o futuro da instituição. Para tanto, conta com insights das comunidades locais, paróquias e dioceses, em uma primeira fase, seguida por assembleias regionais e, por fim, o Sínodo dos Bispos, em 2023. Entre os temas a serem discutidos estão maior participação da mulher na tomada de decisões da Igreja e mais acolhimento a grupos marginalizados por setores conservadores, como homossexuais e divorciados que buscam a segunda união. Também devem ser aprofundados temas de outros quatro sínodos - família, jovens e questões ambientais.
Ao apostar em uma espécie de consulta pública global, Francisco remonta aos primeiros cristãos, cujas decisões eram tomadas de forma colegiada. Também marca definitivamente seu legado, se houver sucesso, como o de um Papa reformador.
Não se trata completamente de um passo rumo à democracia, entretanto. Apesar das discussões, a última palavra caberá ao Papa. Ainda assim, este é um movimento de baixo para cima, na contramão do que historicamente ocorre intramuros no Vaticano.
Se o método for aceito, a consulta pública pode se tornar recorrente mesmo quando Francisco não estiver mais sentado no trono de São Pedro. Depois do Concílio Vaticano II, trata-se, sem dúvida, da maior de abertura da Igreja em seus 2 mil anos de história.