Na Argentina e no Uruguai, a amplitude do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diria era modulada pelos interesses regionais e pelo princípio da boa vizinhança. Quando se encontrar nesta sexta-feira (10) com Joe Biden, na Casa Branca, a audiência do brasileiro será o mundo.
Com as vantagens e desvantagens de se ter essa audiência. As convergências entre os dois presidentes são conhecidas: um script semelhante das duas democracias tensionadas, a agenda comum em prol do combate ao aquecimento global, os direitos humanos e a atuação dentro dos grandes concertos internacionais. Isso, com certeza, será salientado ao final do encontro previsto para as 15h desta sexta-feira. Mas será nos dissensos que estarão alguns dos pontos que testarão a habilidade de Lula nessa nova jornada rumo a pacificador global.
O presidente tem dito a interlocutores que deseja contribuir para a negociação de paz entre Rússia e Ucrânia. Às vésperas de a guerra completar um ano, não há luz no fim do túnel. Ao contrário, a Rússia intensifica o recrutamento de cidadãos, diante do desgaste das tropas regulares, enquanto prepara uma ofensiva de primavera. Do outro lado, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos de Biden, arma cada vez a Ucrânia para resistir.
A ideia que Lula levará ao presidente americano será a conformação de um "grupo da paz" a fim de negociar uma saída para a crise. Originalmente, a sugestão é interessante. O difícil é encontrar países que mantenham posição neutra. Lula pensa, além do própio Brasil, Turquia, Índia e China. Com relação aos dois primeiros, há chances: o "sultão" Erdogan, embora cada vez mais próximo da Rússia, conseguiu mediar a liberação dos portos para escoar produção agrícola e fertilizantes.
A Índia é próxima dos Estados Unidos, mas não aderiu às sanções ocidentais contra a Rússia. O problema é a China. Embora de público o governo Xi Jinping tenha adotado um discurso de independência, o país, na prática, tem sido fiador do Kremlin. Sem falar que Pequim, principal parceiro comercial do Brasil e destino da próxima viagem de Lula, é o grande rival geopolítico dos Estados Unidos. Aliás, um das únicas unanimidades, em Washington, entre democratas e republicanos. Seria muito difícil a Casa Branca aceitar um clube pacificador tendo a China como integrante.
Ser player global, exige, por vezes, desagradar aliados. E bancar a decisão. É o que veremos se Lula conseguirá fazer nesta sexta no Salão Oval - para Biden e para o mundo.