No final da tarde de quinta-feira (5), uma senhora em frente ao acesso às garagens do Planalto oferecia uma bandeira do Brasil aos turistas, na expectativa de receber um trocado. Após alguma tolerância, um segurança se aproximou e pediu que ela se retirasse do local. Ao que a mulher respondeu.
— Esse palácio é do povo, agora o Lula está de volta — disse, quase chorando.
Imediatamente, ganhou a solidariedade de turistas identificados com o governo. A emoção daquela senhora, que dizia ter acompanhado o agora presidente desde que ele foi preso, representa um pouco do significado da primeira semana para eleitores do PT, militantes e integrantes do governo. Foram cinco dias de simbolismo, ecoado também dentro do palácio, em declarações como a da ministra Simone Tebet, ao tomar posse no Planejamento e Orçamento:
— Precisamos colocar o povo de volta no Orçamento.
A primeira reunião dos 37 ministros, nesta sexta-feira (6), marca um ponto de inflexão entre a emoção e a razão. A maior parte do público que tomou as cerimônias de transição de cargo já não estava mais. Ficaram jornalistas que cobrem o Planalto e servidores. Os ministros que outrora entravam no palácio pela porta da frente ao lado de visitantes comuns passaram a utilizar a entrada lateral. Nesta sexta, alguns preferiram até o acesso pela garagem para evitar contato com a imprensa.
Enquanto pelos corredores, o dia a dia do governo vai tomando conta, na sala de reuniões do segundo andar do Planalto os 37 ministros de Lula experimentaram um choque de realidade. É preciso, agora, lidar com divergências internas, ruídos de comunicação e denúncias nos primeiros dias.
Os 20 minutos cravados de discurso de Lula, a parte que a imprensa pôde acompanhar, foram em tom de cobrança. Referindo-se indiretamente a frases escapadas com alto poder de influenciar o mercado, como as declarações do ministro da Previdência, Carlos Lupi, Lula amenizou: disse que seus ministros não precisam ter opiniões iguais, mas que, no projeto de reconstrução do país, devem estar alinhados.
Lula também afirmou que ministros que tiverem alguma ação ilícita serão, gentilmente, convidados a deixar o governo. E que se cometer algo grave a pessoa tera de se colocar diante de investigações e da própria Justiça.
Para bom entendedor, meia palavra basta. Foi uma forma de dar uma resposta, em público, sobre o mal-estar político devido às denúncias de proximidade da ministra Daniela Carneiro, do Turismo, com milícias no Rio de Janeiro. No principal tema ético desde a apoteose de domingo, o governo tem colocando panos quentes, dizendo que não é um fato grave e que não há elementos que comprometam a sua participação no governo.
Além do simbolismo e emoção, do foco do incêndio de Lupi e do princípio de crise envolvendo Daniela, a primeira semana foi de revogação de decretos do governo anterior e de “desbolsonarizacao” do segundo escalão - nos 37 ministérios, mais de 1,4 mil pessoas ligadas de alguma forma a aliados do governo anterior foram afastadas. Agora, com os pés no chão, é hora de construir algo no lugar. Os militantes, como aquela senhora com a bandeira, ainda podem se dar ao luxo da emoção. Do governo, espera-se razão.