Basta um rápido olhar sobre a lista de 35 países que ainda integram o chamado "Consenso de Genebra" para compreender porque a saída do Brasil desse acordo é uma boa notícia.
A retirada, anunciada, sem muito alarde, na terça-feira (17) pelo Itamaraty, é o primeiro ato da nova política externa implementada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Desde o fim da era Donald Trump na presidência dos Estados Unidos - lá, ela foi revogada por Joe Biden -, a aliança, cujo nome oficial é Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, tinha no Brasil do então presidente Jair Bolsonaro uma espécie de líder. Criado em 2020, o tal consenso, assinado à época pelo chanceler Ernesto Araújo, e pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) representa, sob o pretexto de proteger a mulher, uma interpretação ultraconservadora de conceitos de família, gênero e sexualidade. O texto entende, por exemplo, que "família é a unidade natural e fundamental da sociedade", na qual a mulher "desempenha papel crítico" e que o "aborto jamais deve ser usado para fins de planejamento familiar".
Na lista dos 35 países que ainda integram a declaração, o Brasil estava ao lado de notórios violadores dos direitos humanos, como muitos países de maioria árabe - Arábia Saudita, Catar, Egito Líbia, Bahrein, Iraque, de alguns asiáticos (Paquistão), de conhecidas autocracias (Rússia) e de candidatas a tal (Polônia e Hungria).
Na América do Sul, além do Brasil, apenas Paraguai e Guatemala integravam o grupo.
Embora não seja vinculante, o acordo servia como uma espécie de amálgama entre nações governadas por líderes de direita e de extrema direita na hora de votar em fóruns das Nações Unidas. Internamente, o texto serve a governantes para angariar apoio de setores religiosos (no caso brasileiro, o público evangélico).
O argumento do governo Lula é de que o consenso de Genebra "contém entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família e pode comprometer a plena implementação da lei nacional sobre a matéria".
Na leitura de grupos de defesa dos direitos humanos, a saída do consenso representa uma ruptura com a política externa ultraconservadora e a retomada de diálogo com movimentos sociais, em especial organizações feministas. Essa era uma demanda apresentada à equipe de transição por mais de cem entidades, que afirmam que o documento “defende um conceito restritivo de família, restringe os direitos reprodutivos, sendo contrária ao direito de abordo, inclusive nos casos legais”.