Finalmente, Luiz Inácio Lula da Silva falou ontem, no parlatório do Palácio do Planalto, o que havia ficado devendo no pronunciamento que fizera no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 12 de dezembro, ao ser diplomado vencedor da eleição. Dissera muito sobre democracia, combate à desigualdade e crescimento econômico, mas faltara fazer um discurso de união nacional.
Ao jurar respeitar a Constituição, assinar o termo de posse e subir a rampa do Planalto, Lula deixou de ser candidato do PT ou da Frente Ampla que garantiu a vitória sobre Jair Bolsonaro em segundo turno, no dia 30 de outubro. Agora, é o presidente de todos os brasileiros, goste-se ou não. E, portanto, deve governar também para todos os cidadãos, para quem votou e para quem não votou nele.
Essa premissa deveria ser óbvia, mas, em um país cindido como o Brasil, o óbvio precisa ser dito com todas as letras. E Lula, finalmente, disse, na abertura ontem de seu discurso diante da multidão na Praça dos Tres Poderes.
- Quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância - afirmou.
Claro que, dada a polarização e as chagas de uma das campanhas mais violentas da história brasileira, pelas redes sociais e pelas ruas, não bastam apenas palavras bonitas para superarmos essa esquina dramática da história. A "união nacional" precisa descolar do discurso para a prática.
Isso não se constrói com vingança. A resposta do público, em alguns momentos, ontem, ao ensaiar um coro de "sem anistia" já mostra que o desafio é grande, inclusive nas fileiras agora governistas.
Também há ressentimentos por parte de quem perdeu, não há dúvidas. A esses, cabe fazer oposição ao longo dos próximos quatro anos e tentar voltar ao poder em 2026 pelo voto. O que cabe aos dois lados seria um "revogaço" ao extremismo político: afinal, as cenas de terrorismo da noite do dia 12 de dezembro em Brasília e a tentativa de explosão de um caminhão com diesel no final de semana do Natal, no aeroporto, são episódios que ficarão para sempre como marcas desse ciclo que, por ora, se encerra.
As negociações desses dois meses de transição mostram, entretanto, que é possível se conquistar algo pelo diálogo e pela velha arte de se chegar ao meio termo. No amplo espectro da "PEC do Bolsa Família" para uns ou "da Gastança", para outros, houve diferentes tons. Vingou a proposta possível, fruto da articulação entre forças divergentes. São sinais de que voltamos, ao menos por enquanto, à normalidade política.
Pressa
A fome é cara a Lula e o deveria ser também ao Brasil. A Lula, isso fica muito claro cada vez que ele fala em público sobre o tema e se emociona, como ocorreu neste domingo, no discurso do parlatório, após subir a rampa, como 39º presidente da história brasileira. O tema também deveria ser fundamental ao Brasil. Um país que passa fome, que tem crianças nas sinaleiras pedindo dinheiro, é uma nação que deveria ter vergonha de se olhar no espelho. Por isso, entre os tantos decretos que Lula assinou na primeira noite como presidente, o mais urgente é a garantia dos R$ 600 para famílias carentes - tema, aliás, de campanha dos dois postulantes ao posto, mas que levou semanas de negociação da proposta de emenda à Constituição (PEC) para ser garantida sua manutenção.
Incidentes
Em uma posse que foi cercada de preocupação com a segurança, os incidentes foram mínimos: segundo a Secretaria de segurança Pública do Distrito Federal, pouco antes das 12h, a Operação Petardo foi acionada, após a identificação de uma sacola plástica na Estação 108 Sul. A ameaça de bomba foi descartada. Antes, durante a revista do público que chegava à Esplanada dos Ministérios, um homem foi detido por portar uma faca e fogos de artifício.
O Corpo de Bombeiros registrou 94 atendimentos, divididos entre mal súbito, sede e calor excessivos, pressão alterada, dor de cabeça e glicemia baixa. A temperatura passou dos 30ºC ao longo da tarde.