Durante cerca de uma hora de conversa com um grupo de jornalistas, na manhã desta quinta-feira (12), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para os atos golpistas do último domingo (8), quando a sede do Executivo foi invadida, junto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Como argumento para a suspeita, ele afirma que os vidros do acesso não foram quebrados, diferentemente do restante do andar térreo do palácio.
O presidente disse que pretende ver as gravações feitas pelas câmeras de segurança e só então conversar sobre eventuais falhas no governo, mas admitiu suspeitas de conivência por parte da Polícia Militar do Distrito Federal (DF) e das Forças Armadas, inclusive dentro do prédio. Ele admitiu que, passados 12 dias de mandato, há desconfiança devido ao grande número de militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro na sede do Executivo.
— O que aconteceu foi um alerta de que temos de ter mais cuidado. Bolsonaro foi derrotado, mas o bolsonarismo está ali — afirmou.
A seguir, os principais temas abordados na conversa, que ocorreu no Salão Leste do Planalto:
Jair Bolsonaro
Lula abriu sua fala criticando o ex-presidente Jair Bolsonaro e elogiando a ação da Justiça eleitoral durante o pleito.
— Até hoje o cidadão (Bolsonaro) não reconheceu a derrota, enquanto, no mundo inteiro, a urna eletrônica é invejada. Quero registrar minha admiração pela Justiça Eleitoral e pelo ministro Alexandre de Moraes.
Promessas
Lula disse estar obcecado com três temas: educação, saúde e combate à fome.
— Quero fazer mais e melhor do que nos governos anteriores, inventar coisas novas. Temos pressa em fazer as coisas acontecer.
Na educação, destacou a melhoria do Ensino Fundamental, que fica sob responsabilidade das prefeituras.
— O governo federal tem de estar participando para que o ensino seja melhor.
Na saúde, repetiu temas de campanha, como o acesso a especialistas.
— Muita gente morre sem acesso a um especialista.
Com relação ao combate à fome, o presidente se disse chocado com o número de pessoas pedindo comida nas ruas.
— Não pedem esmola, pedem comida com um pedaço de papel em uma esquina.
Ele reiterou que o recebimento do recurso do Bolsa Família estará atrelado à obrigatoriedade de os filhos estarem na escola e em dia com o cartão de vacinação.
— Ninguém vai virar jacaré — brincou.
Mandato
Lula afirmou ter pressa e salientou que já se passaram 12 dias de governo.
— O mandato é muito curto para quem ganha e muito longo para quem fica na oposição.
Obras paradas
Sem especificar quais obras serão retomadas, o presidente prometeu concluir aquelas que estão inacabadas e que já têm projetos. Afirmou que são mais de 14 mil em todo o país. Ele afirmou também que o mesmo vale para o Ministério dos Transportes em relação às condições das estradas. Ele prometeu viajar pelo país para conhecer a situação.
Palácio da Alvorada
Lula se mostrou claramente incomodado com o fato de seguir hospedado em um hotel de Brasília:
— Eu e Janja não temos casa para morar. Estou cansado de ficar em hotel. Não é adequado para governar o país. Não quero morar como clandestino.
Lula contou que o casal está hospedado junto com duas cachorras, entre elas Resistência, que subiu a rampa do Planalto na posse, em 1º de janeiro. Ele relatou ter visitado a Granja do Torto e o Palácio da Alvorada, mas alegou que não há condições de habitar esses dois prédios.
— Não tinha mais cama (no Alvorada) — disse.
O chefe do Executivo afirmou que os prédios precisam passar por reparação. E lembrou a reforma feita no Alvorada em 2005. Lula se disse surpreso ao visitar o prédio e encontrar tubos de oxigênio na residência oficial.
— Chego no Alvorada e tem dois tubos de oxigênio. Faltou para Manaus, mas na casa dele (Bolsonaro), tinha.
Ministério da Defesa
— Quem coloca ministro e quem tira ministro é o presidente da República. Múcio vai continuar. Se eu tiver que tirar cada ministro cada vez que um comete um erro, vai ter o maior rodizio de cargos que esse país já viu.
Encontro com Tarcísio de Freitas
O presidente justificou o encontro com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, dizendo-se aberto ao diálogo mesmo com opositores.
— Sempre conversei com governadores — afirmou, citando o ex-adversário e agora vice-presidente Geraldo Alckmin. — Fiz isso também com (José) Serra. O Tarcísio tem interesse em algumas coisas. Vou conservar com o governador do Rio Grande do Sul, do Amazonas, do Acre...
Acampamento de bolsonaristas
Lula dedicou parte do encontro para falar sobre os ataques de domingo. Ele criticou o fato de o Exército ter deslocado dois blindados para proteger a área militar em frente ao quartel-general, onde estava montado o acampamento de apoiadores de Bolsonaro que participaram dos atos na Praça dos Três Poderes.
— Tinha dois tanques em frente ao acampamento que pareciam que estava protegendo o acampamento e não protegendo Brasília.
O presidente contou ter recebido naquela noite o telefonema de um general que o alertou que, se a Polícia Militar entrasse no acampamento, poderia haver um desastre.
— Eu disse: "Não tem problema. Não estou pedindo para entrar. Estou pedindo para que não saiam.
No dia seguinte, lembrou Lula, quando as pessoas entraram nos ônibus, acabaram presas.
Ações do interventor
Questionado sobre o grande efetivo montado na quarta-feira (12), sob comando do interventor da segurança no Distrito Federal, Ricardo Cappelli, diante de rumores de que haveria novos atos golpistas, Lula fez uma crítica velada:
— Não acho correto ficar espalhando — disse, considerando que é "excesso de proteção seria desnecessário".
— Cachorro que muito late, não morde. Tem que estar precavido, mas não assustado.
Forças Armadas
Lula lembrou sua relação com as Forças Armadas durante seus mandatos e os investimentos em equipamentos. Ele também destacou o papel de Exército, Aeronáutica e Marinha em uma democracia:
— As Forças Armadas sabem que seu papel está definido na Constituição. Não são poder moderador. Eu disse aos comandantes: o que explica um general ir cuidar das urnas eletrônicas? Quem tem que cuidar das urnas eletrônicas são os cientistas.
Clima de desconfiança
Em vários momentos, Lula referiu-se ao clima de desconfiança em relação à segurança do Palácio do Planalto e prometeu "desmilitarização" do gabinete.
— Não tenho ajudante de ordens, porque pego o jornal e leio que o motorista do Heleno (general Augusto Heleno, chefe do GSI de Bolsonaro) quer me matar. Outro quer me dar um tiro na testa.
Garantia da Lei e da Ordem
Sobre a possibilidade de decretar GLO (Garantia da lei e da Ordem), diante dos ataques de domingo (8), Lula admitiu ter recebido de assessores essa proposta.
— Na hora, recusei. Se tivesse feito GLO, eu teria assumido a responsabilidade de abandonar a responsabilidade. Estaria acontecendo o golpe. O Lula estaria deixando o governo para que um general assumisse. Então, fiz o decreto de intervenção federal no DF porque são eles os responsáveis pela segurança do palácio.
E advertiu:
— Não brinquem com a democracia. A democracia a gente tem muita liberdade para tudo. Mas não dá o direito de você ocupar o lugar do outro.
Atos golpistas
Lula disse que estava "embevecido" com a festa da posse, no último dia 1º.
— Jamais imaginei que uma semana depois ia acontecer (os ataques). Não sabia nem previa que iam acontecer. As fotografias mostravam que os acampamentos estavam diminuindo. Sábado os ônibus começaram a chegar. Ninguém pode proibir que alguém fizesse passeata, mas aquilo não era uma passeata contra o governo. Era uma passeata pedindo golpe. Por menos do que isso, Dilma levou choque em lugares que você nem podem imaginar e gente foi presa na ditadura.
Lula diz ter ficado "raivoso com o que aconteceu".
— Ainda não conversei com as pessoas sobre isso. Quero ver todos os vídeos gravados dos prédios. Teve muita gente da PM conivente. E muita gente das forças armadas conivente.
— Não respeitaram nem a imagem de Cristo. Só respeitaram o meu gabinete porque entenderam que, se estava ocorrendo um golpe, Bolsonaro ia voltar e precisava ter o gabinete.
Desinformação
O presidente disse que irá, ao longo do governo, fazer um combate duro ao que chamou de "indústria de fake news".
— Precisamos construir uma narrativa para tirar da cabeça de bolsonaristas que acham que são melhores do que os outros.
Casamento com Janja
A conversa foi acompanhada pela primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, que não se pronunciou.
— Estou bem casado e apaixonado. Podia ficar namorando, mas voltei para cá para fazer o povo voltar a sorrir — disse Lula.
Ao lado de lula estava o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), que organizou o encontro com os jornalistas. Eram cerca de 30 representantes de veículos nacionais e internacionais.
Mercado financeiro
Lula referiu-se em algumas ocasiões ao mercado financeiro.
— O mercado não tem coração. Não tem humanidade. Nunca vi a Febraban se reunir para discutir como ajudar com doações as ações do padre julio Lancellotti em São Paulo — afirmou.
Ele declarou que o governo tem de cuidar dos mais necessitados. E contou ter ficado sabendo, nesta quinta-feira, o salário de um conselheiro da Eletrobras, privatizada recentemente:
— Eu preciso indicar o conselheiro da Eletrobras. Sabe quanto ganha um conselheiro da Eletrobras? São R$ 200 mil por mês para participar de uma reunião mensal.