Na guerra, imagens, ainda que por vezes duvidosas do ponto de vista de sua veracidade ou flagrante de realidade - como a famosa foto dos americanos erguendo a bandeira em Iwo Jima e o soldado soviético sobre o Reichstag, na Segunda Guerra Mundial - mobilizam a opinião pública e indicam, nem que seja em parte, para onde caminha o conflito. Montada ou não, a imagem dos soldados cravando a bandeira americana na ilha japonesa prenunciava o fim da Batalha do Pacífico. O solitário militar no prédio de Berlim aos cacos resumia o colapso do poder de Hitler.
Os vídeos e fotografias que circulam por redes sociais nesta sexta-feira revelam a maior derrota do presidente russo, Vladimir Putin, em sua malfadada aventura na Ucrânia. Um deles mostra uma dramática debandada de soldados enfileirados para atravessar o rio Dniper, abandonando Kherson. Outro revela um militar russo, que conseguiu atravessar, dizendo que seus comandantes ordenaram a fuga na calada da noite. Quando o sol nasceu no Leste Europeu, outros vídeos revelaram soldados, dessa vez ucranianos, entrando na cidade de 300 mil habitantes antes da guerra sob aplausos.
Nos primeiros dias da guerra, Putin tentou, mas não conseguiu ocupar a capital, Kiev. Seus homens chegaram a Kharkiv, mas foram empurrados de volta para a fronteira recentemente. Mas, ainda que derrotas simbólicas, perder Kherson é ainda pior do ponto de vista tático. Ocupada em 2 de março, era a única capital regional nas mãos do Kremlin. Criava uma espécie de ponte terrestre entre o território russo, o leste da Ucrânia ocupada e a península da Crimeia, anexada em 2014. Mais: seria uma alavanca para a nunca concretizada ocupação de Odessa, importante porto do Mar Negro.
A debandada de Kherson revela mais uma vez os problemas logísticos do imaginado poderoso exército russo. A ofensiva ucraniana, em três meses, conseguiu detonar pontes que serviam de via de suprimento para as tropas de Putin, que ficaram sem contato com a retaguarda.
Pode-se imaginar que a retirada dos russos para a margem esquerda do Dniper seja uma armadilha - não apenas para atrair as tropas ucranianas para o temido combate urbano, mas também um convite para que se acumulem em um local e sejam neutralizadas por um único bombardeio com armas convencionais ou nucleares. Não é o que se vê por enquanto.
A retirada russa de Kherson pode abrir uma brecha para negociação no momento em que dois fatos se impõem: a crescente sensação da elite política americana, tanto democrata quanto republicana, de que já gastou demais sustentando a resistência ucraniana. Desde o início do conflito, os EUA enviaram US$ 50 bilhões em armamentos e apoio logístico, de inteligência e humanitário.
Na semana que vem, líderes do G20 se reúnem em Bali, na Indonésia. Ainda que Volodimir Zelensky e Putin não estejam presentes, estarão por lá Joe Biden e Xi Jinping, inclusive com reunião bilateral. Do lado de Biden há cansaço e a avaliação, ditada pelas eleições de terça-feira, de que é preciso começar a se voltar mais a temas domésticos, como a inflação. De Xi, único fiador de um isolado Putin, pressa por voltar a algum estado de normalidade. A paz pode estar próxima. Só não se sabe em que termos.