A complexa engrenagem política de Israel permitirá que Benjamin Netanyahu, um político que é réu por corrupção, volte ao poder na principal democracia do Oriente Médio. E mais: retorne, das catacumbas da política, abraçado à extrema direita, representada pelo partido Bazalel Smotrich, que defende a expulsão de cidadãos árabes que não jurem lealdade a Israel.
A apuração pela Justiça eleitoral israelense não é tão rápida quanto no Brasil — na terça-feira (1º), a totalização beirava os 90%. Mas esse percentual já permitia chancelar que a coalizão de Bibi, o apelido de Netanyahu, conquistaria pelo menos 65 das 120 cadeiras da Knesset, o parlamento israelense. O bloco de centro esquerda ficaria com, no máximo, 50 cadeiras, e os independentes com cinco. Ou seja, Bibi está com a faca e o queijo na mão.
Seu retorno é um alento a políticos de direita derrotados mundo afora, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Ainda que em Israel estejamos falando de um regime parlamentarista, que permite a troca do chefe do Executivo com alguma facilidade, a volta de Bibi, envolto em polêmicas e alvo de processos por suspeita de suborno e fraude, é um farol para aliados. Trump tem capital político para voltar a disputar a eleição presidencial americana em 2024, e Bolsonaro, a depender das próximas semanas, em 2026.
Israel realizou o quinto pleito em três anos. E, com mostras de estafa, os eleitores compareceram às urnas imaginando ser essa a última rodada — ao menos por enquanto.
Ninguém aguenta mais. Em 2019, a coalizão de Netanyahu foi derrotada por uma espécie de "geringonça", para tomar emprestado o termo, um tanto pejorativo, do governo arranjado outrora em Portugal. O saco de gatos que permitiu sua saída uniu uma estranha aliança de oito partidos — da extrema direita à extrema esquerda, incluindo pela primeira vez árabes no governo. A única vantagem da "geringonça" é que ela foi capaz de tirar Bibi do poder. O cargo foi ocupado por Naftali Bennett e Yair Lapid. A geringonça era frágil desde o início, mas foi celebrada porque, além de encerrar dois anos de paralisação política e colocar para fora o primeiro-ministro acusado de corrupção, alcançou consenso para aprovação do orçamento do Estado para 2022. Mas parou por aí.
Em junho deste ano, o arranjo desmoronou por conta de um tema fundamental para Israel: a segurança. Bibi, animal político que é, soube explorar essas fragilidades. Agora, abraça a ultradireita que lhe é familiar. Trata-se de uma manobra para voltar ao poder internamente, mas que, na prática, terá impactos extramuros de Israel — ele é encarado por palestinos como um líder hostil. Vislumbra-se no horizonte um breve mandato de Netanyahu — e Israel imersa, de novo, no labirinto das eleições. Além disso, percebe-se o Estado palestino cada vez mais distante e uma paz sem hora para acontecer.