A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) consolida a onda de esquerda na América Latina, que havia sido turbinada pelos triunfos recentes na região.
Um olhar sobre o mapa do subcontinente revela que, entre os principais países da região, 10 têm ou terão governos de esquerda - além do Brasil, onde Lula assume em 1º de janeiro, Colômbia (Gustavo Petro), Chile (Gabriel Boric), Peru (Pedro Castillo), Argentina (Alberto Fernández), Bolívia (Luiz Arce), México (Andrés Manuel López Obrador), Venezuela (Nicolás maduro), Nicarágua (Daniel Ortega) e Cuba (Miguel Díaz-Canel).
Apenas três entre os principais países mantêm governos de direita: Uruguai (Luis Lacalle Pou), Paraguai (Mario Abdo Benítez) e Equador (Guillerme Lasso).
Em junho, a vitória de Petro na Colômbia, nação historicamente governada por elites conservadoras, sinalizava a consolidação dessa guinada, iniciada no Chile e que teve continuidade no Peru. Esses três países, assim como o Brasil, vivem profunda polarização política, que, também como aqui, não acabou com a eleição e traz profundas dificuldades para os eleitos governarem.
No Chile, a nova Constituição, apoiada por Boric, foi rejeitada em referendo. O próprio presidente também foi obrigado a definir medidas na contramão das promessas de campanha. E, no Peru, Castillo já sobreviveu a duas tentativas de impeachment em pouco mais de um ano de mandato.
As esquerdas que voltam ao poder anos depois de uma maré vermelha, no início dos anos 2000, são também diferentes daquelas que governaram nos primeiros tempos deste século. Buscaram se afastar, em sua maioria, de modelos tirânicos, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. Também adquirem tons diversos - não é possível colocar Lula no mesmo barco de Petro, Boric ou Fernández. Cada um tem sua história, e os países que ora governam exibem diferentes níveis de fragilidades, ainda que "hermanados" por corrupção, inflação, perda de poder aquisitivo e desigualdade social, a primeira histórica, as três últimas aprofundadas pela pandemia.
Além de não tergiversar sobre direitos humanos e liberdade de expressão, a esquerda atual, do qual o Chile é principal exemplo, aprendeu que, para governar em democracias, é preciso, por vezes, fazer concessões e concertações. No Brasil, não há nada pacificado. Tentativas de controle da imprensa por vezes aparecem em discursos. E concertação é algo praticamente impossível de se pensar, ao menos, por enquanto.
O Brasil é o maior país da América Latina, potência econômica na região. Para onde vai, costuma inspirar os vizinhos.
Para política externa, Lula, em seu plano de governo, adota expressões de suas duas gestões anteriores - a mais conhecida delas "diplomacia ativa e altiva" -, o que pressupõe um compromisso de compartilhar a liderança com os pares da região e o resgate de ideias como a proposta do Conselho de Defesa Sul-americano, da extinta Unasul, a busca de uma ponte com o México pelo estabelecimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e um olhar para o vilipendiado Mercosul.
Mas a região não é a mesma da primeira década do século 21. Alguns países, como Chile, Equador e Colômbia, viveram revoluções por maior igualdade. É uma América Latina de população cansada de experiências econômicas e políticas. Padeceu na covid-19, especialmente Brasil, Peru e Colômbia. Dependente das exportações de commodities e observa com apreensão o crescimento menor da China.