
Decisões ou movimentos de política externa dos Estados Unidos não são feitos a esmo. Obedecem a um conjunto de ideias e propostas que constituem uma espécie de doutrina, descrita em dois documentos escritos periodicamente - a Estratégia de Segurança Nacional (NSE, em inglês) e a Estratégia de Defesa Nacional (NDE).
São equivalentes às brasileiras Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END). Mas há diferenças. Uma delas é que, no caso americano, por se tratar da única superpotência do planeta, a sua segurança e sua estratégia de defesa impactam em todos o globo. Outra diferença é que, diferente da maioria dos documentos desse tipo definidos por cada governo, os Estados Unidos costumam citar nominalmente seus adversários e inimigos - Rússia e China, por exemplo, aparecem com frequência. Um terceiro ponto é que, diferentemente dos documentos brasileiros, normalmente escritos por um círculo pequeno do Itamaraty e do Ministério da Defesa, os textos americanos passam por um intenso debate interministerial: participam, além da Secretaria de Estado e Pentágono, a CIA (agência de inteligência), Departamento de Comércio e sua Secretaria de Tesouro e outros órgãos. O resultado é um alinhamento entre todas as agências governamentais, que, por vezes, transcende o tempo de duração de uma administração - por exemplo, os documentos em vigor foram divulgado em 2018, no governo Donald Trump e seguiram até agora, quase dois anos de mandato de Joe Biden.
Até por preservarem premissas de Estado, os textos mudam pouco (proteger o povo americano e seu modo de vida, promover a prosperidade econômica, preservar a paz mundial por meio da força). Mas cada governo imprime sua característica. Na "doutrina", por exemplo, era claro o "America first" e a oposição ao "cosmopolitismo liberal", introduzido pelo presidente americano Woodrow Wilson depois da Primeira Guerra Mundial. Rússia e China, as duas grandes potências revisionistas que querem alterar a hierarquia do poder mundial, já apareciam como rivais. Mas, agora, na nova Estratégia de Segurança Nacional, de Biden, anunciada na quarta-feira (12), isso ganha mais ênfase: as prioridades são conter a ascensão da China, frear as ameaças da Rússia e agora para reparar as fraturas da sociedade americana. Diferentemente de Trump, os EUA, como já se intuía desde a posse do democrata, Biden coloca os americanos de novo na liderança global e enfatiza a importância de trabalhar com aliados (leia-se Organização do Tratado do Atlântico Norte, Otan) para defender a democracia. Fica clara a preocupação com o contexto da guerra na Ucrânia.
- A Rússia representa uma ameaça imediata para o sistema internacional ao violar temerariamente diretrizes básicas - afirma o texto.
Mas também a evidência quem realmente tira o sono dos estrategistas americanos:
- A China é o único país que busca reformular a ordem internacional, e cada vez mais, o poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para avançar nesse objetivo.
Em outras palavras, a Rússia é peixe pequeno diante da ameaça, aos olhos de Washington, representada pela China.