Não é por acaso que o círculo em torno do poder de Vladimir Putin faz fila, nesta quinta-feira (7), para comemorar a renúncia de Boris Johnson. O primeiro-ministro britânico era um dos mais combativos líderes do Ocidente contra a Rússia, antes mesmo do início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro.
Em várias ocasiões, Johnson saiu à frente dos aliados contra Putin, classificando o autocrata do Kremlin como "implacável" e "irracional" e um líder que coloca o mundo em perigo com suas ambições. Dias antes de desembarcar de volta a Londres, no epicentro da crise que levaria a sua renúncia, o britânico estava nas reuniões de cúpula do G-7 e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), alinhavando uma nova fase do apoio europeu ao presidente Volodimir Zelensky.
A rixa é antiga. O governo britânico, há anos, suspeita de que agentes russos atuem no país.
Um dos casos mais polêmicos ocorreu em 2018, quando um ex-agente duplo (russo e britânico), Sergei Skripal, residente no Reino Unido e refugiado, foi envenenado com sua filha Yulia por meio de um neurotóxico desenvolvido na antiga União Soviética, o Novichok. O governo britânico acusa três russos pelo caso: Alexander Petrov, Ruslan Boshirov (possíveis pseudônimos), apresentados como membros do serviço de inteligência militar russo GRU, e Serguei Fedotov, também conhecido como Denis Sergueyev.
As relações entre os governos do Reino Unido e da Rússia se deterioraram desde que, em 2006, Alexander Litvinenko, um ex-agente da KGB exilado em solo britânico, também havia sido envenenado com polônio-210. Dez anos após sua morte, uma investigação britânica concluiu que o Estado russo era o responsável pelo envenenamento - algo que o governo russo sempre negou.
Mas foi a guerra na Ucrânia que fez Boris Johnson ascender como líder do Ocidente - mais até do que o presidente americano, Joe Biden - na implementação de punições à Rússia. O primeiro-ministro enviou, desde o primeiro momento, armas para a Ucrânia, impôs as mais duras sanções da história moderna à Rússia e esteve visitando o front, em Kiev, em duas ocasiões.
Tudo isso explica por que o Kremlin não poupou palavras para comemorar a saída de Johnson.
- Ele não gosta de nós, nós também não gostamos dele - disse o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov.
O magnata Oleg Deripaska disse no Telegram que era um "fim inglório" para um "palhaço estúpido". Maria Zakharova, a principal porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, afirmou que a queda de Johnson é um sintoma do declínio do Ocidente, que ela disse estar dilacerado por crises políticas, ideológicas e econômicas.
- A moral da história é: não tente destruir a Rússia - declarou Zakharova - A Rússia não pode ser destruída. Você pode quebrar os dentes com isso, e depois engasgar com eles - afirmou.
A saída de Boris Johnson não significa que o próximo primeiro-ministro será pró-Rússia, obviamente. Muito pelo contrário. Até porque o poder continuará nas mãos do Partido Conservador, que escolherá o futuro líder do Executivo nos próximos meses. Mas, apesar de seu estilo por vezes bufão, Johnson personificava essa oposição do Ocidente. Sua derrocada interna dá, ao menos, uma vitória momentânea - e moral - a Putin.