Há um componente de dúvida e insegurança na decisão do governo britânico, de Boris Johnson, de eliminar as últimas restrições legais restantes no país com relação às medidas de prevenção à covid-19, o que permitiria a reabertura total da economia - com a realização de grandes eventos e o fim do limite de ocupação de teatros e cinemas. O "se" estava presente em várias declarações de autoridades na segunda-feira (5), especialmente porque há duas semanas pela frente e muitas variáveis em jogo.
"Se" na segunda-feira (na próxima, dia 12) forem confirmados dados epidemiológicos favoráveis, na semana seguinte (imagina-se na outra segunda, 19) serão eliminadas as restrições, disse, em outras palavras Johnson.
As principais medidas que permitirão a reabertura total são polêmicas: o uso facultativo de máscaras de proteção e o fim da exigência de distanciamento social.
As variáveis não ditas por Johnson são:
- O avanço da cepa Delta, originária da Índia, que hoje já é predominante no arquipélago de Sua Majestade e que tem feito o número de casos dobrar a cada oito dias. Segundo cientistas, a variante seria entre 40% e 60% mais transmissível do que a mutação Alfa, que surgiu no Reino Unido e, antes, era a predominante.
- O verão no Hemisfério Norte. Se, por um lado, é o período do ano em que as escolas estão fechadas - o que reduziria, em parte, alguns riscos - é quando há maior circulação de pessoas dentro do país, mais prováveis aglomerações, viagens, convívios, e entre outros países da Europa - embora ainda existam restrições de deslocamento entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido. O ano da desgraça de 2020 já mostrou isso. O verão de praias lotadas na costa do Mediterrâneo foi rico para o vírus, um ninho para contaminações. O avanço da vacinação nas faixas etárias mais avançadas e a variante Delta, que tem contaminado mais os jovens, deixa parte da população exposta.
Os números, como se sabe, podem servir de lastro argumentativo para todos os lados. O Reino Unido foi o primeiro país do Ocidente a iniciar a vacinação, em 8 de dezembro, e tem uma campanha exitosa de imunização.
Se, por um lado, o governo britânico comemora 85% dos adultos imunizados com ao menos uma dose, por outro, sabe-se que apenas uma injeção não garante a completa proteção, no caso da maioria dos produtos no mercado e da mais utilizada no país, a de Oxford/AstraZeneca - e que, embora apenas os maiores de 18 anos estejam sendo vacinados lá, adolescentes e crianças também transmitem o vírus (a administração de dose nessa faixa etária só começou em junho).
Quando se observa o monitor Our World in Data, assim como a vacina, também da prestigiosa instituição acadêmica britânica, o Reino Unido está entre as primeiras nações na corrida pela imunização. Mas não é líder. Islândia, Emirados Árabes Unidos, Israel, Bahrein, Chile, Mongólia, Hungria e Uruguai têm percentuais de população "fully vaccinated" (ou seja, totalmente imunizados) superiores ao do Reino Unido.
É necessário conviver com o coronavírus, como diz Johnson? Sim. Mas isso desde o início da pandemia. O pano de fundo é o quanto se pode delegar aos cidadãos o direito/dever de exercer suas vontades individuais/coletivas de livrar-se da máscara, mas a utilizá-la em situações potencialmente de risco para si e para outros. Nesse sentido, a máscara como elemento facultativo joga no colo do cidadão a opção de não usar a proteção sem a coerção do Estado.
No Brasil, não tenho dúvidas, há pouca capacidade de discernimento, como sociedade, entre o individual e o coletivo. O "império do eu" prepondera.
Felizmente, não precisamos do tudo ou nada. Cientistas e infectologistas britânicos têm ponderado no Reino Unido que, nesse processo de "conviver com o coronavírus", há 50 tons de cinza. E que escolher entre tudo ou nada é o maior erro. Abandonar as medidas de prevenção de imediato não é algo urgente. Pode ser feito de forma cadenciada: manter pelo menos alguma das sugestões, o distanciamento ou o uso de máscaras. Ou os dois. Se para isso precisa-se de tutela do Estado (regramentos), que assim seja.
Nas próximas duas semanas, até o dia 19 de julho, quando entrará em vigor o "tudo pode" do Reino Unido, é bom que o governo Johnson olhe para a Índia e o Brasil, que se tornaram fábricas vivas de novas variantes. E que o mundo olhe para o Reino Unido como exemplo ou não do que fazer para "conviver com o coronavírus".