Se a vingança é um prato que se come frio, Marine Le Pen e a extrema direita francesa têm um banquete pela frente.
No segundo turno das eleições legislativas do país, realizado no domingo (19) e considerado o terceiro turno das presidenciais, o partido de Emmanuel Macron conquistou o maior número de cadeiras na Assembleia Nacional, o parlamento francês. Mas muito o governo obteve bem menos do que a maioria absoluta para governar - chegou a 246 contra 345 que tinha anteriormente. Para ser maioria, a coalizão Juntos, que reúne macronistas da República em Marcha, Agir e Democracia Moderna (Modem), precisava alcançar 289 vagas.
A esquerda, representada pelo bloco Nupes (Nova União Popular, Ecológica e Social, formada pelos partidos França Insubmissa, socialista, comunista e verde), chegou a 142, tornando-se a segunda maior força política da Casa. E a extrema-direita, representada pela Reunião Nacional, da Le Pen, alcançou 89 assentos, sendo a grande vitoriosa da disputa. Pela primeira vez em 36 anos os ultradireitistas terão agora o direito de formar um grupo parlamentar, o que lhes permitirá mais tempo para falar no plenário, poderes na Casa e apresentar moções de censura.
Na prática, isso significa, em primeiro lugar, que, mesmo perdendo no segundo turno da eleição presidencial, Le Pen conquista uma grande força para limitar os poderes de Macron no parlamento - a maior bancada dos ultradireitistas havia sido formada em 1986, com 35 deputados. Em segundo lugar, a vitória indica que, depois de um mandato no qual Macron conviveu com sinal verde no parlamento para fazer passar suas medidas, agora ele terá de acertar alianças antes de encaminhar projetos.
É a primeira vez em 20 duas décadas que um governo não terá maioria absoluta na Assembleia Nacional para governar.
Trata-se de uma derrota clara para Macron. No segundo mandato, ele irá precisar formalizar acordos para, primeiro, conseguir governar, e, segundo, ainda pensar em seguir com as pretendidas reformas, barradas no passado pelos protestos das ruas, liderados pelos Coletes Amarelos. A principal será a reforma da Previdência, com a qual o presidente pretende aumentar a idade mínima de aposentadoria dos atuais 62 para 64 ou 65 anos. Para tanto, entre outros desafios, ele provavelmente buscará apoio da direita tradicional, Os Republicanos, do ex-presidente Nicolás Sarkozy, que, junto com a UDI, ficará com 64 cadeiras no parlamento.
Diante do cenário de polarização a que estamos acostumados na América Latina e Estados Unidos, a França revela ao mundo uma espécie de divisão tripartidária, que já dava as caras desde 2017 - o centro, representado por Macron, a esquerda de Jean-Luc Mélechon e a extrema-direita de Le Pen. E, assim como na América Latina, há o crescimento de vozes dissonantes e anti-establishment: tanto à esquerda quando à direita.