O dia 9 de maio marca a data em que a Alemanha nazista se rendeu às tropas da antiga URSS, na Segunda Guerra Mundial. É o Dia da Vitória, um dos principais feriados nacionais na atual Rússia, comemorado com pompa e circunstância desde o fim do conflito que lá é chamado de Grande Guerra Patriótica.
No esforço de Vladimir Putin de reerguer a autoestima do país e reposicionar a Rússia como grande potência não há tempo a perder. Por isso, a duas semanas do evento, 11 mil militares foram convocados para o desfile na Praça Vermelha em Moscou, onde Putin, certamente, estará para passar as tropas em revista.
No ano passado, quando poucos acreditavam que uma guerra se ergueria sobre a Europa, nessa mesma data, Putin anunciou que a Rússia e a Ucrânia são uma só nação, dando início a sua narrativa de destruir a identidade ucraniana como Estado independente. O que dirá este ano, na mesma data, em meio a uma guerra que já dura mais de dois meses, esgota os recursos militares, esbarra em resistência e levou ao estrangulamento econômico do país, hoje um pária internacional?
Não estranhe se Putin, em 9 de maio, uma segunda-feira, usar a data para declarar a vitória na Ucrânia. Aconteça o que acontecer. Será ficção, obviamente. Mas no país de faz-de-conta de Putin, onde a imprensa é censurada, a população, proibida de referir-se aos fatos da Ucrânia como guerra, tudo é possível. Ele tem elementos para considerar, mesmo que alijado da realidade, alguma vitória de sua "operação militar especial", o eufemismo criado pelo Kremlin para se referir ao conflito sem chamá-lo pelo verdadeiro nome.
Poderá dizer que "desnazificou" a Ucrânia. Reivindicar que conseguiu que o país nunca entre para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), vista como principal ameaça à segurança russa. Poderá afirmar que garantiu a segurança e a independência de Dotensk e Luhansk, as duas autoproclamadas "repúblicas" separatistas, de maioria étnica russa. Poderá- gabar-se até de ter ocupado Mariupol, a estratégica cidade portuária, que serve de ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, anexada em 2014.
Com exceção da garantia de que a Ucrânia não entrará na Otan (mais por incapacidade de Kiev e rejeição da própria aliança do que por desejo do governo de Volodimir Zelensky), o resto é mentira. Há resistência ainda em Dotensk, Luhansk e Mariupol e o Donbass como um todo, a região onde ficam essas áreas, está longe de cair. Sobre a "desnazificação", isso está mais no plano do imaginário de Putin - não há nazistas no governo de Zelensky, que aliás, é judeu. Alguma inspiração exista em uma unidade paramilitar, o chamado Batalhão Azov, que lutava contra os russos na Crimeia, mas daí a dizer que o país é nazista não passa de paranoia ou maldade.
Putin pode inclusive deixar alguns militares, inclusive sem identificação, como fez na Crimeia, em Dotensk e Luhansk para lutarem contra o exército ucraniano ao lado dos separatistas. E o que veremos será a perpetuação de um conflito de baixa intensidade ainda por anos - como, aliás, já vinha ocorrendo desde 2014, muito antes da invasão de fevereiro de 2022. Nesta quinta-feira (28), a Otan admitiu que está pronta a enviar armamentos para a Ucrânia por anos, se for necessário. Com o número de mortos russos se avolumando no front, com a estagnação de negociações para cessar-fogo e com a demora mais do que a planejada para a queda de metrópoles ucranianas (como Kiev, do qual os russos parecem ter desistido), tudo indica que Putin se auto impôs o 9 de maio como prazo a fim de fingir que a Rússia ganhou algo. Aconteça o que acontecer.