As primeiras declarações de Elon Musk após comprar o Twitter por US$ 44 bilhões (quase R$ 215 bilhões) indicam um certo deslumbre de quem se acha, agora, o dono não só da bola mas também do campinho de futebol. O empresário até pode espernear, tentar impor suas regras pelo poder econômico, afinal é o homem mais rico do mundo, proprietário da Tesla e da SpaceX, mas, na verdade, boa parte do mesmo planeta (ou da praça) em que vive caminha na contramão da ideia que tem defendido, contrária a moderação de conteúdo.
As mais modernas legislações do planeta, como da União Europeia (UE) e da Austrália, indicam que a regulamentação das plataformas digitais, termo genérico para nos referirmos às redes sociais (como Twitter, Facebook, Instagram, TikTok e outras), aplicativos de trocas de mensagens (WhatsApp e Telegram) e cerramentos como o Google, é um caminho sem volta. Liberdade, sim. Mas com responsabilidade.
Esse é o slogan nas maiores democracias do planeta depois que a terra sem lei das Big Techs provocou estragos tremendos na política, favorecendo a eleição de candidatos como Donald Trump e processos como Brexit, turbinados por informações falsas, ameaçando a própria democracia. Também na vida privada houve há efeitos tóxicos, uma vez que as redes sociais sem controle foram passe livre para quem enxovalha reputações e dissemina conteúdos como pornografia infantil, racismo e preconceito.
É preciso reconhecer, no entanto, que nesse dream team das maiores empresas de tecnologia do mundo, o Twitter não é o maior dos peixes. Com 217 milhões de usuários, fica atrás de Facebook, Instagram e TikTok, por exemplo. É também a mais "adulta" das redes, onde estão jornalistas, artistas e outros formadores de opinião de diferentes vertentes políticas, o que higieniza o debate e o eleva. E está longe de ser como o WhatsApp, pelo qual escorre, a portas fechadas, todo esgoto da sociedade.
Mas a fala de Musk, contrário à moderação, é preocupante porque indica que a empresa sob seu comando irá comprar briga com as autoridades nacionais, que caminham para uma tentativa de barrar o lodo que impregna o debate público. O Brasil está nesse caminho, ainda que atrasado. Está para ser votado na Câmara o projeto de lei 2.630/20, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência, popularmente conhecido como "PL das Fake News". Ainda que com falhas, o texto é um avanço no controle desse flagelo, equiparando redes sociais a meios de comunicação em termos de legislação eleitoral, estabelecendo pagamento por conteúdo jornalístico e estabelecendo uma série de regras sobre transparência que as companhias terão de cumprir.
Há um acalento, ao menos, nas primeiras falas de Musk. Ele prometeu proibir no novo Twitter os bots, robôs, e perfis falsos que contaminam a opinião pública e radicalizam o debate, criando falsas narrativas. O empresário quer uma rede social formada por perfis verdadeiros, feita de seres de carne e osso. Não custa, no entanto, lembrar que a tecnologia não é boa ou má em si. São os homens e mulheres que criam os robôs, os perfis falsos, que mentem e que disseminam seu ódio. Até que aprendamos a gozar da liberdade com responsabilidade, a regulação é um mal necessário. Queira ou não Musk.