Sétima maior cidade da Ucrânia, Lviv, com 700 mil habitantes, virou um bolsão de relativa tranquilidade em um território que começa a ser fatiado pelas forças russas por Norte, Leste e Sul.
Ainda que uma invasão pelo Norte, com o uso de tropas de Belarus, não seja descartado, Lviv esforça-se para manter certa normalidade. Há movimento nas ruas centrais, os moradores levam adiante suas rotinas, com os serviços essenciais funcionando em sua maior parte.
O ar de normalidade, no entanto, é quebrado pela presença de tropas das forças armadas patrulhando as ruas, prédios de telecomunicações com barricadas e o som agonizante das sirenes antiaéreas, que tem ecoado pelo céu cinzento de Lviv em média duas vezes por noite. A cidade, porém, ainda não foi bombardeada, situação diferente da capital, Kiev, de Kherson (Leste), que já teria caído, e Mariupol (Sul), sob fogo cerrado há dias.
Lviv, onde GZH está, se prepara para o pior. As cercas de prédios públicos estão sendo cobertas com lona branca para dificultar a visão de um inimigo que pode avançar casa a casa. O trabalho é feito pelo exército. Barricadas foram instaladas nas portas de prédios estratégicos. A reportagem testemunhou pelo menos uma dessas barreiras, ao percorrer o trajeto de cinco quilômetros entre o centro e o hotel Sputnik, onde está hospedada.
A Rua Staroyevreiska, no centro histórico, é símbolo dessa contradição de uma cidade que pode ser atacada a qualquer momento, mas que tenta levar adiante a rotina pré-guerra. No Café Lviv Croissants, um grupo de jovens saboreia taças de cappuccino, enquanto conversa sobre o conflito. A aproximação tem sido difícil com os ucranianos, porque poucos falam inglês e porque a maioria teme perseguição política. Não é incomum a abordagem começar no presencial e terminar no Telegram, app de bate-papo conhecido pela segurança na troca de mensagens. Os jovens cosmopolitas e conectados com a Europa Central, comentam sobre o desejo de retomar a vida. Um deles estuda Medicina e lamenta a dificuldade de completar o currículo com as frequentes interrupções.
—Não há como continuar dessa forma. Ou Vladimir Putin (presidente russo) para ou será parado — diz um deles.
Lviv é também, nestes dias, uma cidade desconfiada. Do lado de fora, ergo o celular para fotografar a placa indicando o nome da rua quando uma mulher que observa a cena vem até mim, lançando uma série de xingamentos. Só então me dei conta de que, acima da identificação da rua, havia uma das sirenes de emergência. As esquinas do centro de Lviv, onde ficam prédios magníficos como a Ópera, estão crivadas de alto-falantes e câmeras. Em Kharkiv, no Leste, os russos atacaram com um míssil prédios da administração regional, matando 10 pessoas e ferindo 20. Não é difícil imaginar algo semelhante em Lviv.
A presença de um repórter no local começa a despertar suspeita. Os ucranianos estão em alerta com a infiltração de russos. Em outro local, próximo ao prédio da administração da cidade, uma mulher resmunga incomodada cada vez que aponto a câmera para um prédio.
Lviv é estratégica para os dois lados. Um ataque à cidade cortaria parte da linha de suprimentos do Ocidente procedente da Polônia. Por outro lado, alguns países transferiram suas embaixadas de Kiev para essa cidade — caso, por exemplo, dos Estados Unidos e do Brasil. Uma ofensiva aqui, próximo às fronteiras de Hungria e Polônia, colocaria a Europa muito perto de um confronto direto entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia.
Às 22h12min desta quinta-feira (no horário local, 17h12min de Brasília), sirenes antiaéreas tocaram na cidade de Lviv. No hotel onde GZH está instalada, os hóspedes, incluindo este repórter, correram para o abrigo. Após 15 minutos, a situação estava normalizada. Não houve registro de explosões próximas ao prédio do hotel.