Quando se fala de uma possível guerra envolvendo Rússia e Ucrânia, esquece-se, muitas vezes, que o país do Leste Europeu já vive um conflito armado há pelo menos oito anos.
Essa guerra concentra-se, por enquanto, no leste da Ucrânia, nas duas regiões cujos nomes, Donetsk e Luhansk, passaram a fazer parte do noticiário de forma mais persistente desde segunda-feira (21), quando o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu a independência dessas áreas.
Mas o que há lá? A coluna explica.
Donetsk e Luhansk são duas províncias da Ucrânia, na fronteira com a Rússia. Logo, fazem parte do Estado ucraniano. Elas estão localizadas na bacia do Donbass, uma área de forte presença de indústria metalúrgica, importante fonte de energia (carvão e gás natural) e produtora de milho e trigo. Costuma chover muito nessa região, o que facilita a agricultura, mais do que em outras áreas da Ucrânia.
Depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, o sentimento separatista cresceu em Donetsk e Luhansk. Os grupos armados rebeldes, financiados pela Rússia (o que o Kremlin nega), iniciaram um conflito contra as tropas do governo ucraniano. Essa guerra já matou 14 mil pessoas. Embora sejam províncias da Ucrânia, essas regiões se autoproclamaram "repúblicas" independentes. A "República Popular de Donetsk" tem como "presidente" Denis Pushilin, e a "República de Luhansk" é liderada por Leonid Pasechnik. Todas essas aspas são necessárias para esclarecer que se tratam de autodenominações. Essas repúblicas e seus presidentes não são reconhecidos pela Ucrânia ou pela lei internacional.
Os Acordos de Minsk, de 2014, tentaram um cessar-fogo, mas esses acertos são constantemente violados pelos dois lados.
O grande ponto aqui é que muitos habitantes dessas duas regiões identificam-se mais com a Rússia do que com a Ucrânia. Isso se deve em grande parte ao passado relativamente recente da Ucrânia - como integrante do império russo e, depois, como uma das repúblicas da URSS. Durante a era soviética, Stalin enviou para a Ucrânia muitos cidadãos russos, em um processo de "russificação" da região. Recentemente, Putin concedeu passaporte russo para muitos ucranianos da área - estima-se que mais de 800 mil pessoas tenham o documento em Donetsk e Luhansk. Nos últimos anos, também escolas passaram a receber livros didáticos russos, além de outras iniciativas culturais com o objetivo de aproximar a população dos interesses do Kremlin.
Eis aí a manobra que serve de argumento para uma possível ocupação do território pela Rússia. Putin diz que essas pessoas sofrem discriminação e estão ameaçadas de genocídio por parte do governo ucraniano - o que, em sua visão, lhe garantiria o direito de intervir com "tropas de paz" em nome da proteção dos "russos étnicos".
Os dados são imprecisos e pouco confiáveis. Mas pesquisas mostram que dois terços da população de Donetsk e Luhansk definem o russo como língua materna. Um terço identifica o russo e o ucraniano como idioma principal. E apenas 3,5% da população dessas duas áreas definem o ucraniano como língua materna.
E o que querem? Estudos mostram que o desejo de separação, autonomia ou anexação à Rússia não é algo consolidado. Um terço dos habitantes dizem que desejam autonomia, cerca de 20% gostaria que a situação voltasse ao status anterior às revoltas separatistas e 20% desejam a anexação à Rússia.
A região do Donbass é composta, do ponto de vista geográfico, por planícies com baixa elevação, o que facilita a movimentação militar em grande escala.