Em 14 de fevereiro de 1950, o Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua Sino-Soviético selou, em Moscou, a aproximação entre China e URSS, apesar das divergências entre seus líderes. No fundo do poço e cansada de guerra, a recém fundada República Popular da China de Mao tsé-Tung buscou no irmão comunista o apoio, ao que Stalin titubeou, temendo provocar os americanos.
Mudam as datas, os personagens e o cenário. É 4 de fevereiro de 2022. Saem Mao e Stalin, entram Xi Jinping e Vladimir Putin. E o palco é Pequim. Desta vez, alguém também titubeia, e é a China. Não tanto com medo de provocar os americanos, mas de perder dinheiro. Os dois líderes também não estão mais irmanados pelo comunismo, uma realidade, se é que ainda se pode considerar, que diz respeito apenas à China.
Em meio à maior crise política entre Estados Unidos e Rússia, Putin recebeu, na sexta-feira (4), o apoio da China de Xi em seu impasse com o Ocidente sobre a Ucrânia. Em visita a Pequim pouco antes da abertura dos Jogos de Inverno, Putin se uniu ao seu parceiro chinês em uma declaração conjunta a favor de uma "nova era" nas relações internacionais e do fim da hegemonia americana. No documento, os dois países - com relações cada vez mais tensas com Washington - denunciam o papel das alianças militares ocidentais, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a AUKUS (aliança militar entre Estados Unidos, Austrália e Reino Unido), considerando-as destrutivas para "a estabilidade e uma paz justa" no mundo. Em particular, expressaram oposição "a qualquer futura ampliação da Otan", ecoando a principal exigência de Moscou para uma diminuição das tensões em torno da Ucrânia.
Moscou e Pequim defendem o conceito de "indivisibilidade da segurança", no qual o Kremlin se baseia para exigir a saída da Otan de sua vizinhança. Nesse sentido, argumenta que a segurança de uns não pode ser alcançada à custa da dos demais, apesar do direito de cada Estado e, portanto, da Ucrânia, de escolher suas alianças.
Desde o início da crise recente, a China, com seu pragmatismo político e econômico, vinha tentando se manter em silêncio. Não mais. Na realidades, desde 2014, no conflito na Crimeia, quando a Rússia ficou isolada, os chineses acabaram recebendo os russos de braços, oferecendo apoio econômico e diplomático.
A China é o maior parceiro comercial da Rússia há anos, com o comércio bilateral atingindo um novo recorde de US$ 147 bilhões no ano passado. Os dois também assinaram acordos que intensificam exercícios militares conjuntos.
Tanto a Rússia quanto a China percebem um interesse comum em reagir aos EUA e à Europa para ganhar um papel mais relevante para si mesmos na arena internacional. No momento em que as duas potências questionam o establishment liberal que prevaleceu no pós-Guerra Fria nas relações internacionais, a aliança desta sexta-feira (4) acelera um previsto duelo de titãs no século 21 que pode redefinir a ordem global.