Natural de Pará de Minas, a 80 quilômetros de Belo Horizonte, em Minas Gerais, Alessandra Neumüller exerce há um ano o cargo de vereadora, eleita com 1686 votos, na cidade de Markt Schwaben, na Baviera, Estado do sul da Alemanha. A brasileira de 45 anos ocupa cinco das 24 cadeiras da Câmara. São cinco mulheres.
Alessandra migrou em 2000 para a Alemanha, como "au pair", programa que dá apoio a pessoas que não têm condições de custear intercâmbio. Ela trabalhou em casa de família, cuidando de crianças e recebendo uma mesada. Formada no Brasil em Ciências Físicas e Biológicas, o plano era ficar um ano no Exterior. Nesse período, ela conheceu o marido, com quem teve gêmeos, hoje com 15 anos. Na Alemanha, Alessandra trabalhou em mercadinho de produtos naturais e estudou Engenharia de Alimentos, mas se realizou na educação. Trabalhou em jardim de infância e como auxiliar escolar na sala de aula para crianças autistas. Hoje atua como terapeuta de discalculia (transtorno de aprendizagem em crianças para dificuldade de pensar, refletir e avaliar atividades relacionadas à matemática). Bom humor, sorridente, simplicidade, ela fala sobre a carreira como política e migrante, temas que serão destaque do encontro informativo online "Uma brasileira na política alemã", promovido pelo Instituto Goethe, que ocorre na próxima quinta-feira, às 16h (inscrições pelo e-mail preintegracao-brasil@goethe.de). A seguir, a entrevista concedida à coluna.
A senhora está há mais de 20 anos de Alemanha, quando sentiu esse desejo de entrar para a política?
O convite para a política surgiu... eu moro há 11 anos em Markt Schwaben, eu estava sempre envolvida, nunca fui uma pessoa parada. Estou sempre conversando com alguém. Comecei a me envolver na sociedade, participava do colegiado dos meus filhos na escola, quando eles estavam no futebol, estava sempre ajudando a organizar as festas. Na política entrei através de uma amiga do grupo de mulheres pertencente ao Partido CSU, partido-irmão da CDU. Quem vota na SCU, vota em Angela Merkel. Achava legal, mas havia algo que não me agradava. Chegou um dia, o nosso ministro das Relações Exteriores, em 2017, começou a falar que os migrantes seriam a mãe de todos os problemas na Alemanha. Isso acabou comigo. Porque pensei: "Gente, eu moro aqui, estou aqui pagando meus impostos, estou há tantos anos, me irritou". Saí da política. Mas meu marido falou: "Alessandra, em novembro, o pessoal do PV vai estar aqui. Por que você não vai lá?" Eu fui. E quem estava lá: Annalena Baerbock (líder do partido). Era uma cervejaria, um lugar pequeno, você conseguia conversar, não havia restrições de segurança. Sentei a uma mesa, um senhor se apresentou e me convidou a conhecer o PV. Aceitei o convite. Desde esse dia, no final de 2017, eu estava participando ativamente com eles. A oportunidade surgiu de fazer a lista, precisavam de 24 candidatos, me perguntaram se eu gostaria de me candidatar. Coloquei meu nome lá, me colocaram como sendo a primeira da lista dois verdes, porque o partido tem como estatuto sendo a primeira uma mulher. O segundo é um homem. Pensaram: "A Alessandra é mulher, migrante, mãe e um exemplo de integração". Com isso, me candidatei, mas não pensei que ia ganhar (Risos).
A Baviera é um Estado mais conservador. Como foi se eleger em uma cidade sendo mulher e migrante?
Isso fez realmente com que eu ganhasse. As pessoas já me conheciam antes mesmo das eleições. Conheciam a Alessandra, mão dos gêmeos de Markt Schwaben. Era a brasileira, mãe dos gêmeas, sou conhecida assim aqui. A pessoa que estava sendo conversando, carismática, alegre. Nunca precisei fazer campanha política. Isso ajudou muito. Brasileiro é amado aqui na Alemanha.
E como foi nesse um ano encarar a Câmara? Conseguiu apresentar algum projeto?
Apesar de morar em uma cidade muito perto de Munique, uma região rica, nossa cidade é falida. Não temos condições para nada. No passado fizeram muitos erros. A gente está com dívidas estrondosas e tentando construir uma escola. As escolas estão caindo aos pedaços. Na verdade, fazer projetos na cidade está muito difícil. O debate só está ao redor de a gente vai gastar tanto ou tanto?" Vamos pegar mais dinheiro emprestado ou não? No momento, não se tem condições de fazer projetos onde se precisa de dinheiro. Meu objetivo agora é para eu me transformar em uma espécie de referência para crianças e migrantes. Para a minha cidade, seria cuidar aos temas da migração na minha cidade. Aqui, são 15 mil habitantes e pessoas de mais de 80 países. Mesmo assim, a convivência é bastante pacífica, se comparado com outras regiões da Alemanha na questão da migração. Debates políticos na Câmara é difícil porque, mesmo morando aqui há mais de 20 anos, o alemão é uma língua terrível. Até para falar o português já era difícil, porque pessoas nascem com o dom de falar em público. Não sou essa pessoa que adora falar em público. É um desafio para mim.
Que diferenças a senhora observa entre as políticas brasileira e alemã?
A principal é que na Alemanha as pessoas entram para a política para realmente mudar alguma coisa na sociedade. No Brasil, elas entram para a ganhar dinheiro. Eu fico triste porque, no Brasil, a gente sabe que as pessoas estão ali porque recebem muito. O sistema político aqui é muito diferente. Na minha cidade, são 100 mil habitantes, e a gente tem entre 15 e 18 vereadores. Aqui, a gente tem 15 mil habitantes e somos 24. Mas aqui a gente não faz isso como sendo uma profissão. Continuo trabalhando na minha vida normalmente e as reuniões são à noite, duas a três vezes por mês, de acordo com a necessidade.
A senhora recebe salário?
A gente recebe uma agenda de custo por reunião. No caso da comunal política, a política municipal, a gente não para a profissão para ficar na Câmara esquentando cadeira. Aqui, você tem seus horários, a reunião principal, e os grêmios de que você participa - eu estou no grêmio da cultura, do trânsito e da natureza. O meu salário é por reunião que participo, baseado em 30 euros por reunião. Elas começam geralmente às 19h e terminam entre meia-noite e 1h. Se eu tivesse de pagar para alguém cuidar dos meus filhos, não teria como ser vereadora porque não há como conciliar as coisas com esse valor.
Os verdes conquistaram um resultado muito bom nessa eleição. o desejo de maior conscientização ambiental está deixando as cúpulas e chegando ao cidadão comum?
O PV fez 40 anos no ano passado, sempre lutaram para mudar a questão ecológica na Alemanha. Em 2004, as pessoas já tinham uma certa conscientização: os alemães já são muito preocupados com a questão ambiental, e não esperam que venha um projeto dos políticos. Tentam mudar o modo de viver. Tem pessoas que não compram mais nada do que vem em plástico. Tentam, por exemplo, comprar ovos de galinhas que vivem livres, não em gaiolas, ou de porcos que vivem em seu cubículo.
Que avaliação a senhora faz da era Angela Merkel?
Como pessoa, ela é extraordinária, muito inteligente. Na questão dos imigrantes, ajudou muito quem veio da Síria. Tem um coração maravilhoso. De outra forma, a era Merkel, a Alemanha deixou de se desenvolver um pouco. Na questão do coronavírus, as escolas estão uma catástrofe. Lembro de quando morava no Brasil, na minha cidade já se falava de fibra ótica para internet, há 20 anos. Na Alemanha, há vários lugares, inclusive minha cidade, onde a internet é bem ruim. Eles ainda não têm bons sistemas, deixou muito a desejar na questão da digitalização. E a questão do ambiente. Se você olhar um vídeo de Merkel, do tempo em que ela não era chanceler, você vai pensar que ela era ambientalista. Mas, no parlamento, ela não conseguiu mudar muita coisa. A energia da Alemanha é retirada do carvão mineral, Angela não conseguiu mudar isso por causa do lobby automotivo. É um problema que acredito que ela não conseguiu mudar como chanceler, entre outras. No tempo da corona, as escolas não tinham internet, professor não conseguia trabalhar de casa, por causa desse problema digital.
Sendo migrante, como a senhora vê a ascensão de grupos e partidos de extrema-direita, como a AfD (Alternativa para a Alemanha)?
Claro que vejo com temor, porque eles, na última eleição, o prognóstico é que eles iriam aumentar mais. Não chegou a isso. Em Markt Schwaben, a gente não tem. O que acho que irá ocorrer: eles estão brigando tanto internamente que imagino que um dia eles não irão conseguir os votos necessários para conseguir participar do parlamento. Mesmo estando fortes agora. É cobra devorando cobra ali dentro. Quando surgiu esse partido, em 2013 ou 2014 o objetivo era retirar a Alemanha da União Europeia (UE). Eram professores que estavam ali dentro. Se a gente olhar os fundadores e quem está ali dentro, é uma diferença de 180º. Estão indo em direção à extrema-direita. Tenho preocupação, mas na Baviera as coisas são mais tranquilas, o pior é na Saxônia.
O seu mandato vigora por quantos anos? E o quais são seus planos para o futuro na política?
Seis anos. Às vezes, me desanimo com tanto trabalho. A gente faz uma coisa, e a população dá contra. Por outro lado, me sinto na obrigação de continuar. Nem todas as pessoas têm a chance de poder participar ativamente das mudanças da cidade. Eu sou muito orgulhosa de ter conseguido isso. Como prefeita, não quero. Mas se aparecer uma oportunidade de ser deputada não vou fechar as portas. Mas não estou pensando nisso. Quero aprender muita coisa. Não nasci na política. Sendo mulher e estrangeira não é tão fácil naquela reunião com tantos homens.