Muita tinta de jornal foi gasta, telegramas diplomáticos foram trocados e dinheiro consumido em viagens de altas autoridades e empresários entre Washington, Pequim e Brasília nos últimos anos na novela da participação ou não da gigante chinesa Huawei no leilão do 5G no Brasil, realizado na quinta-feira (4). Mas a verdade é que, depois de tanto bate-boca ideológico que tensionou as relações brasileiras com seus dois principais parceiros políticos e econômicos, a empresa chinesa não esteve presente no leilão da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) para a exploração do serviço no país.
Por anos, o Brasil esteve no epicentro da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China na América do Sul por conta do interesse da empresa em ampliar seu mercado no continente, zona que o governo americano entende como de sua influência.
A pressão de Washington, que começou no governo Donald Trump, era para que parceiros comerciais americanos banissem companhias chinesas que, na opinião dos americanos, representam risco à segurança nacional, já que a China poderia utilizá-las para espionagem. Os chineses negam interferência estatal, e a própria Huawei se apresenta como uma empresa privada, independente dos tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC).
Em 2019, Trump assinou um decreto estabelecendo emergência nacional e impedindo as empresas do país de usarem equipamentos de telecomunicações produzidos por companhias que representem risco à segurança nacional - entre elas, a Huawei. O grupo chinês foi barrado na Austrália, no Canadá, na Nova Zelândia e no Reino Unido.
Sobre o Brasil, a pressão foi feita em boa parte por meios diplomáticos, como alertas do então embaixador americano Todd Chapman a autoridades nacionais. A indisposição dos EUA com a Huawei e a ofensiva aos aliados continuou no governo Joe Biden, que despachou vários altos funcionários recentemente a Brasília, entre eles o diretor da CIA (agência de inteligência americana).
O caráter ideológico da questão, com Washington se colocando contra o uso de equipamentos da Huawei, levou o governo Bolsonaro a se indispor com a China, maior comprador de produtos brasileiros, em aspectos importantes e pode ter sido pano de fundo para atrasos no fornecimento de vacinas contra a covid-19.
Uma das saídas pela tangente, para tentar agradar a gregos e troianos, no caso Washington e Pequim, foi decidida pelo Ministério das Comunicações, que não impediu a participação da Huawei no leilão, mas incluiu no edital a obrigação da construção de uma rede privada de comunicação em Brasília, para temas sensíveis.
Mas a verdade é que, depois de tanta novela, a Huawei sequer participou do leilão. Pelo simples fato de que esse foi destinado a operadores de telefonia - e a gigante chinesa é fornecedora de equipamentos de infraestrutura para as empresas. Por não ser uma operadora, não apresentou propostas. A empresa só poderia participar se mudasse sua área de atuação no mercado, como algumas concorrentes fizeram. A Huawei, no entanto, ainda pode vender equipamentos para as operadoras que arremataram lotes da tecnologia 5G - aliás, a Huawei domina mais de 80% das atuais malhas de 3G e 4G brasileiras, muito dificilmente ficará de fora da infraestrutura 5G, principalmente por preço mais baixo em relação às concorrentes europeias Nokia e Ericsson.