Comecei a cobrir conferências internacionais sobre mudanças climáticas há quase 20 anos. A primeira foi em 2004, em Bonn (Renewables), depois vieram as COP (Conferência das Nações Unidas) de Buenos Aires, Montreal e Bali. A delegação brasileira, quando chegava aos grandes centros das convenções internacionais, era esperada com curiosidade pelas lições que tinha a dar ao mundo como gigante ambiental. Havia muitos discursos pessimistas, preocupantes, mas falava-se, ainda sob as heranças da ECO-92, em conter o aquecimento global.
Nesta segunda-feira, 9 de agosto de 2021, descubro, ao ler o mais alarmante relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que "conter" não é mais a palavra certa. Ou seja, não é possível mais "impedir", "reprimir", "encerrar" e outros sinônimos do dicionário a elevação da temperatura do planeta. Cabe, agora, à humanidade apenas diminuir, dirimir, correr atrás do prejuízo, já que, independentemente do que fizermos, a Terra terá sua temperatura elevada em 1,5ºC em meados da década de 2030, na comparação aos índices pré-Revolução Industrial.
Falhamos!
Falhamos como humanidade em conter as emissões de dióxido de carbono e o aquecimento global.
Assumido esse fracasso, é hora de juntar os cacos, secar as lágrimas (quem as tiver) e admitir que o relatório do IPCC desta segunda-feira (9) é a resposta da ciência a um modelo que, se não é negacionista como um todo (e, felizmente, não é, não julguemos o todo pela parte), ao menos alimenta-se de uma ideia de ganhos a curto prazo em detrimento do que virá depois. É quando o "império do eu" se manifesta: no "meu lucro", nos "meus interesses", no "meu mandato" para os "meus amigos".
Nem toda chuvarada que ocorre é efeito do aquecimento global, alertam os cientistas - com o risco de que frases como essas alimentem os negacionistas do clima. Mas o método científico também nos ensina sobre repetibilidade. Não é por acaso o aumento da frequência de fenômenos extremos - das secas no Nordeste, dos temporais no Sudeste, dos atuais incêndios florestais na Grécia e na Turquia. E nem falei de elevação de níveis dos mares ou algo mais catastrófico.
O ponto que une o alerta dos cientistas com o "império do eu" está explícito no quarto capítulo do relatório, quando cita o Brasil: o aumento dos fenômenos extremos vai afetar a produção de alimentos. Isso para um país cujo Produto Interno Bruto (PIB) depende do agronegócio significa o caos. É aí que pessoas que ainda rejeitam as evidências deveriam se apegar - já que outros argumentos não valeram até agora. Vai pesar no bolso.
Aprendi, nas coberturas de ambiente, a lançar um olhar mais apurado sobre os verbos utilizados nos documentos do IPCC. "Deve" é diferente de "vai". E no caso brasileiro, se a temperatura do planeta subir mais de 1,5ºC (e isso "VAI" ocorrer) por ação do homem (o que também não é mais dúvida), o efeito "VAI" atingir diretamente o agronegócio.
Em novembro, a COP-26, de Glasgow vem aí. Haverá promessas, compromissos, alertas, como os vi desde as primeiras conferências da ONU há 20 anos e como voltaram a aparecer na Cúpula do Clima, protagonizada pelo presidente Joe Biden, em abril. Mas pouco mudará na prática.
Sabe razão de tanto pessimismo? Porque enfrentamos a maior pandemia em cem anos e continuamos encontrando pessoas sem máscaras, que não foram se vacinar quando sua idade já estava disponível ou que não retornaram para a segunda dose. Que continuam se aglomerando porque o que interessa é o que "eu quero".
Se não conseguimos lidar com a covid-19 de forma colaborativa, alguém aí acredita que conseguiremos conter (ops, devo me atualizar) minimizar os impactos do aquecimento global?