Não foi, assim, uma grande cobrança. Mas ok, melhor do que nada. Um ano e sete meses depois do comunicado do primeiro caso de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) externou, finalmente, algum desconforto com as explicações dadas até agora pelo governo da China sobre a origem do coronavírus.
O diretor-geral da entidade, Tedros Adhanon, disse nesta quinta-feira (15) que o país deve cooperar mais com a investigação em andamento sobre as origens da pandemia.
A falta de transparência das autoridades do Partido Comunista Chinês (PCC) alimenta teorias conspiratórias - a principal delas a de que o coronavírus tenha sido fabricado em laboratório e "vazado" propositalmente pelo governo para abalar a economia mundial e, assim, a China crescer ainda mais nesse ambiente de caos. Essa hipótese é amplamente refutada e eu explico a razão aqui, nessa coluna (clica no link).
O fato é que, até agora, nem a China está interessada em dizer tudo o que sabe sobre a origem do vírus nem a OMS parece empenhada em descobrir. O ato mais importante até agora em termos de investigação foi o envio de uma equipe de especialistas internacionais a Wuhan, mas que teve pouco resultado prático.
Os cientistas enfrentaram limitações de um regime acostumado a maquiar dados e a teatralizar situações para ocultar verdades inconvenientes. Mas o excesso de cuidado para não ferir suscetibilidades também contribuiu para um relatório final vazio de argumentos robustos, ainda que fossem preliminares.
Resultado: o que se viu foram idas e vindas sobre a hipótese de vazamento acidental do vírus a partir do Instituto de Virologia de Wuhan - ponto que, me parece, é fundamental. Primeiro, o documento tratava como "extremamente improvável" a ideia e não recomendava mais pesquisas sobre essa possibilidade. Tempos depois, o próprio Tedros contradisse as descobertas centrais do estudo, sugerindo que o tema deveria ser melhor investigado.
Nesta quinta-feira (15), o diretor admitiu falhas. O primeiro problema é o compartilhamento dos dados brutos não liberados pela China. Como confiar que as estatísticas, prontuários, não foram adulterados?
O segundo é que houve uma tentativa prematura, conforme o próprio Tedros afirma, de reduzir o número de hipóteses, como a do laboratório na transmissão do coronavírus para os humanos. Bingo!
A tese de vazamento do laboratório havia sido descartada logo nos primeiros meses da pandemia por um grande número de cientistas, até o governo de Donald Trump, e depois o de seu sucessor, Joe Biden, chamarem atenção para essa possibilidade. O atual presidente ordenou que os serviços de Inteligência dos Estados Unidos tomassem o assunto como prioridade.
- Os acidentes de laboratório acontecem e são até muito comuns. Eu mesmo já vi e já cometi erros - declarou Tedros, referindo-se à sua experiência no passado como imunologista em um laboratório - disse Tedros. - Devemos essa investigação aos 4 milhões de mortos.
Essa tese sempre foi rejeitada pelas autoridades chinesas.
Até agora, a hipótese mais provável é de que o coronavírus tenha surgido de forma natural a partir de um animal em um mercado de Wuhan. Mas, em ciência, todas as hipóteses devem estar sobre a mesa até que sejam descartadas. Mas, para isso, é preciso interesse, método, rigor e experimentação. Dá algum trabalho.