Desde que Viktor Orbán e seu partido Fidesz-União Cívica Húngara assumiram o poder, a Hungria tem desafiado os princípios liberais que norteiam a União Europeia (UE), bloco econômico e político que, embora imperfeito, reúne o que de melhor existe em termos de confederação de países a partir das cinzas da Segunda Guerra Mundial: a divisão de poderes, o sistema de freios e contrapesos e o respeito às liberdades civis.
Com seu nacionalismo populista, Orbán tenta construir uma narrativa alternativa, de Hungria para os húngaros - ignorando as próprias nuances da sociedade húngara. Nesse contexto, a crise dos refugiados que fugiram das guerras no Oriente Médio foi um prato cheio para seu projeto de poder. Orbán investiu-se do manto dos cruzados para supostamente defender a "Europa cristã" da "invasão" de "muçulmanos", "terroristas" e "ladrões de emprego".
Alimentado pelas falhas da própria UE e da globalização, o império de Orbán foi sendo vitaminado e, aos poucos, o protoditador foi avançando sobre os outros poderes do Estado, os partidos políticos de oposição, as universidades e a imprensa independente. O Executivo, com o Legislativo sob controle, alterou regras eleitorais e a Constituição para concentrar força.
A comunidade LGBT+ é o mais recente alvo do regime de Orbán, mas não será o último. Recentemente, o parlamento da Hungria aprovou uma lei que proíbe conteúdos que abordem homossexualidade ou mudança de gêneros nas escolas. O texto determina que "conteúdo que promova desvio de identidade de gênero, redesignação de sexo e homossexualidade não deve ser acessível a menores de 18 anos", com medidas de afetam programas educacionais, publicidade, obras culturais e programas de TV. É, digamos assim, uma versão ampliada e atualizada do que, no Brasil, ficou conhecido como "kit gay".
Parece ter sido a gota d'água na paciência dos líderes da UE.
Desde 2018, a Hungria está sob o processo conhecido como artigo 7º, um procedimento disciplinar para os países considerados em risco de violar os valores essenciais do bloco - o que pode levar à suspensão do direito de voto no Conselho Europeu, órgão que reúne os governos dos 27 membros. Na terça-feira (22), 14 países da UE, entre os quais os quatro mais ricos, Alemanha, França, Itália e Espanha, divulgaram uma declaração condenando a legislação anti-LGBT+.
A defesa do governo húngaro obedece à cartilha escrita por ideólogos da direita alternativa mundial, inspirados na alt-right americana de Steve Bannon & cia: tergiversar, dizendo que a lei não se dirige "a nenhuma comunidade na Hungria, apenas contra os pedófilos" ou que a educação sexual até os 18 anos é de responsabilidade exclusiva dos pais. Não sem antes classificar a informação como "fake news".
Nesse dia internacional do Orgulho LGBT+, não custa lembrar que Orbán até pode parecer-se com os colegas Vladimir Putin, da Rússia, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia. É um membro fidedigno do clube dos adeptos da chamada "democracia iliberal". Mas não se pode esquecer que a Hungria, por enquanto, está dentro da União Europeia (UE), uma confederação de países construída por valores liberais de respeito aos direitos humanos, à democracia e cujos pilares foram erigidos para que não se repitam as tragédias produzidas pelo nacionalismo e preconceito no século 20.