Nas últimas semanas, uma série de movimentos envolvendo Estados Unidos, Rússia e China na área espacial deu contornos a uma nova corrida à Lua, nos moldes semelhantes à da Guerra Fria, agora, porém, envolvendo novos atores, como Pequim.
O Brasil acabou se tornando um dos elementos dessa disputa estratégica de gigantes, com a assinatura pelo presidente Jair Bolsonaro com o governo americano, que permite o ingresso do país no projeto Artemis.
Como na Guerra Fria, estão colocados dois blocos de países que disputam quem voltará primeiro à Lua - a última missão tripulada foi em 1972, com a Apollo 17, da Agência Especial Americana (Nasa). Com o projeto Artemis, os Estados Unidos pretendem enviar a primeira mulher e a primeira pessoa negra à Lua em 2024. Uma das inovações é que, desta vez, a missão tentará chegar ao lado oculto do satélite. O então presidente Donald Trump acelerou o projeto. Para o atual, Joe Biden, é um desafio a mais, uma vez que há outras demandas prioritárias, como a recuperação econômica pós-pandemia de coronavírus.
Ao lado dos americanos, estão, por enquanto, outras 11 nações - Austrália, Canadá, Itália, Japão, Luxemburgo, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Ucrânia e, desde terça-feira (15), o Brasil.
Vídeo sobre o projeto americano
Do outro lado do bloco de países que miram a Lua estão Rússia e China, cujas agências espaciais (a State Space Corporation Roscosmos e a Administração Espacial Nacional da China) assinaram em março um memorando de entendimento mútuo em nome de seus governos sobre cooperação para a criação de uma estação lunar científica internacional (ISLS). As aventuras russas - e, antes, soviéticas - são conhecidas desde o tempo da Guerra Fria, como as missões Sputnik e o famoso voo de Iuri Gagarin, em 1961. A China é o corredor novo nessa competição, que, como na economia e no campo militar, também tem estendido seus interesses para o espaço. Desde 2019, tem feito pousar sondas espaciais no lado obscuro da Lua - justamente a área onde os americanos querem fazer pousar seres humanos.
Vídeo sobre o projeto de Rússia e China
Do ponto de vista estratégico, há muitas questões em jogo. Uma delas mostra que, ao contrário do que deu a entender o presidente Biden após a reunião de cúpula com o russo Vladimir Putin, na quarta-feira (16), a rivalidade entre China e Rússia não pode ser tratada como verdade absoluta. Como mostra a assinatura do acordo para exploração da Lua, os dois países são muito capazes de unir forças contra o adversário em comum - os Estados Unidos.
Segundo, a disputa por quem voltará primeiro à Lua é apenas parte de uma guerra maior. O espaço é a nova fronteira estratégica para conflitos - a começar pela capacidade de neutralizar inimigos, em caso de guerra, apenas com a eliminação de satélites, capazes de silenciar a internet e outros mecanismos de comunicação, por exemplo. A preocupação dos estrategistas americanos é tanta que, durante seu governo, Trump criou uma Força Espacial, uma nova unidade do Pentágono focada na guerra no espaço - assim como existem os comandos Sul (Southern Command, para América Latina, Central Command, para Oriente Médio, e European Command, para Europa, por exemplo).
Mas e o Brasil, o que tem a ver com isso?
Primeiro, a parceria assinada pelos governos federal e americano pode reforçar, segundo o ministro Marcos Cesar Pontes (ele próprio tenente-coronel da reserva da Força Aérea Brasileira e astronauta), o Programa Espacial Brasileiro em termos de cooperação entre pesquisadores. O Brasil é, por enquanto, o único país da América Latina a assinar o Artemis.
Ao optar pelo projeto americano - e não chinês-russo -, o Brasil já sinaliza que tomou um lado da corrida à Lua. Esse posicionamento é importante do ponto de vista estratégico no atual contexto das relações entre Brasil e China. Apesar dos sucessivos ataques direcionados ao país por Bolsonaro e membros de seu governo, o gigante oriental é o principal parceiro comercial brasileiro no mundo, muito à frente do segundo colocado, os Estados Unidos. A escolha do lado americano também sinaliza posição possível diante dos interesses chineses no mercado de tecnologia e rede 5G, com a Huwaei.
O passo brasileiro é também, de certa forma, uma continuidade de outro acordo estratégico já fechado com os Estados Unidos - o acordo que permite aos EUA o lançamento de foguetes e satélites a partir da base de Alcântara, no Maranhão, cuja operação deve começar em 2022. Em troca, o Brasil receberá recursos para investir no aperfeiçoamento do Programa Espacial Brasileiro.
No caso do Artemis, por enquanto, não há recursos envolvidos por parte do Brasil.
O ingresso no programa americano significa que podemos esperar o envio de um ou uma astronauta brasileira à Lua?
Não é bem assim. Segundo o ministro Pontes, o primeiro voo, previsto para 2024, só incluirá astronautas americanos. Mas ele acrescentou que os países integrantes do Artemis poderiam, no futuro, integrar missões com seus próprios astronautas.
O embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, afirmou:
- Espero ver na Lua a bandeira brasileira ao lado da bandeira dos EUA.