Seis anos antes do fim da União Soviética, Genebra sediou um encontro de cúpula entre os então presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, em 1985.
Não foram quatro horas de reunião, como nesta quarta-feira (16) entre Joe Biden e Vladimir Putin na mesma cidade, aos pés dos alpes suíços. Foram três dias, que marcaram o início da desescalada da Guerra Fria.
Talvez, neste que é o pior momento das relações entre Estados Unidos e Rússia, fosse necessário mais tempo para os dois líderes conversarem.
Faltou desta vez o almoço, o voltar para o hotel, a conversa de pé de ouvido no cafezinho. Até nas imagens o encontro de 2021 foi econômico - a cúpula foi gélida, com cenas milimetricamente controladas entre os dois líderes para evitar interpretações errôneas de um lado e outro, avanços e recuos não previstos nos scripts ou e até possíveis gafes. Os momentos para fotos foram antes do encontro, com comedidos Biden e Putin mediados pelo presidente suíço, antes de entrarem no palacete da Villa La Grange; o aperto de mãos, poucas cenas internas de ambos sentados; e, ao final, rápidos pronunciamentos - em momentos e locais separados.
Em meio a tão escassas imagens para o mundo, pequenos gestos ganham muito significado: o ajeitar da gravata, por parte de Putin, diante dos fotógrafos, pode não ter significado apenas que o nó do acessório estava apertado demais. Para quem ouviu de Biden palavras como "assassino", em uma entrevista logo após a posse na Casa Branca, havia algo trancado na garganta.
A concordância de ambos para que seus respectivos embaixadores retornem a seus postos - eles haviam sido chamados para consultas por seus governos no início do ano, um gesto diplomático que demonstra mal-estar - parece aqueles arranjos mínimos para que nenhum dos dois líderes saísse de Genebra de mãos abanando.
Contido como de hábito, com o rosto impassível, Putin foi frio e seco nas respostas aos jornalistas, ao qualificar o encontro como "produtivo, substantivo e concreto".
- Não acho que há qualquer tipo de hostilidade entre Biden e eu - resumiu.
Em temas que realmente importam, Putin mostrou que não mudou, não mudará e não aceitará pressões americanas. Isso vale para os interesses geoestratégicos russos no Ártico ("Os EUA não precisam se preocupar com a militarização"), no Oriente Médio e no Leste Europeu ("Não há o que discutir", afirmou sobre a possível entrada da Ucrânia na Otan) e para temas que considera assuntos domésticos, como a prisão do opositor Alexei Navalny ("esse cidadão sabia que estava violando a lei russa").
Por sua vez, Biden foi mais assertivo nas respostas (e voltou várias vezes ao púlpito para seguir respondendo perguntas dos jornalistas, mesmo depois de encerrada a entrevista, como se tivesse algo ainda a esclarecer). Manteve o tom duro, sabendo que será cobrando mais internamente do que externamente por suas palavras eventualmente leves. Sobre a comparação que Putin fez entre o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro, com os protestos na Rússia, foi taxativo:
- Ridículo.
Mantendo o tom de "EUA estão de volta ao cenário mundial", Biden se apresentou como defensor de valores liberais, como direitos humanos. Disse que ter feito "o que veio fazer" (em Genebra), que consequências, em caso de morte de Navalny, "seriam desastrosas" e que alertou Putin sobre qualquer interferência nas eleições americanas. Por fim, deixou claro que não acha que o líder russo "esteja interessado em nova Guerra Fria com os EUA".
Havia muito mais temas em jogo do que cabem em quatro horas - não comentei aqui as limitações aos arsenais nucleares de ambos os lados, os prisioneiros americanos na Rússia, a anexação da Crimeia, a pacificação da Síria, a ascensão da China, o combate ao aquecimento global e a pandemia de coronavírus, temas fundamentais para ambos.
Foi a cúpula possível, um quebra-gelo antes que as coisas piorassem. E bem menos histórica do que a de Reagan e Gorbachev, 36 anos atrás.